Artigo – Teto de vidro na universidade pública: por que somos tão poucas?
Meninas e mulheres na ciência são cruciais para a melhoria da vida em sociedade e para o desenvolvimento sustentável. E isso não tem nada que ver com paternalismo
por Nina Ranieri
Dois dados e um relato pessoal: segundo dados da Unesco, as mulheres representam 33,3% de todos os pesquisadores no mundo e apenas 12% delas são membros de academias científicas nacionais. Entre bolsistas da Capes, 58% são mulheres, mas elas somam apenas 7% no comitê de seleção da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a mais alta instância entre os acadêmicos. Em 2022, Helena Nader se elegeu presidente da ABC: a primeira mulher a ocupar o cargo em 105 anos de existência da entidade.
Agora, o relato pessoal: na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde leciono há mais de 20 anos, somos apenas 24 dos 148 docentes. No recorte de professores titulares, o topo da carreira, são apenas duas – com tendência de baixa em razão de aposentadorias.
Fundada em 1827, mais de cem anos depois (em 1940) a Faculdade de Direito da USP teve sua primeira professora. Hoje, está bem abaixo dos 28% da média global para as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática – historicamente o segmento em que as mulheres são absoluta minoria. A que se deve essa situação? Seria a Faculdade de Direito da USP mais resistente à incorporação das mulheres em seus quadros? De forma alguma! As alunas são maioria nos cursos de graduação e de pós-graduação, mas essa vantagem não se reflete nos concursos docentes.
A disparidade resiste, o que não ocorre por acaso, mas transmite uma mensagem de discriminação e falta de diversidade, negativa e prejudicial para a presente e as futuras gerações, além de ter consequências na forma como são preparadas as alunas para lidar com os conflitos sociais, objeto da profissão.
Contra a corrente, nos últimos anos, nós, professoras e professores do Largo São Francisco, temos feito muito para reverter essa situação. Um breve resumo: houve modificações na regulamentação dos concursos docentes, passou-se a exigir a participação de 25% de mulheres, pelo menos, em todos os eventos; foram criadas a ouvidoria de gênero e a comissão de esforço contra o preconceito, hoje integrada à comissão de inclusão e pertencimento. Temos disciplinas de pós-graduação e graduação dedicadas às relações entre o Direito e a equidade de gênero, além de grupos de pesquisa e de extensão voltados a essa temática, com produção bibliográfica publicadas pela Unesco. Além disso, estamos finalizando o projeto da galeria de fotos das professoras, para registro das cerca de 40 docentes que até hoje lecionaram nas Arcadas, e não figuram em seus corredores e salas.
É apenas o início. Falta muito. Esta é uma questão que deve ser enfrentada sobretudo como um problema político que merece análise. As práticas que alimentam a discriminação e a ausência de mulheres na academia e na ciência estão internalizadas, normalizadas e, portanto, são pouco visíveis. Meninas e mulheres na ciência são cruciais para a melhoria da vida em sociedade e para o desenvolvimento sustentável. E isso, vale ressaltar, não tem nada que ver com paternalismo.
_______________________________________
Titular da Cadeira 16 da Academia Paulista de Educação, professora associada da Faculdade de Direito da USP e coordenadora da Cátedra UNESCO de Direito à Educação. Artigo originalmente publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo