Trinta anos atrás São Paulo escolheu seus líderes educacionais por capacidade técnica
Por Hubert Alquéres

Em 12 de maio de 1995, o Diário Oficial do Estado de São Paulo trazia a publicação de uma lista que, à época, representou uma ruptura corajosa com velhas práticas da administração pública: os nomes dos novos Delegados de Ensino aprovados por processo seletivo. Pela primeira vez, um governo estadual — liderado por Mário Covas — optava por selecionar os responsáveis regionais pela gestão educacional com base em critérios técnicos e não por indicação política.
Trinta anos depois, essa decisão ainda se impõe como referência de boa política pública. Em um país onde o clientelismo costuma corroer a eficiência do Estado e a educação muitas vezes é capturada por interesses alheios ao interesse público, a lição deixada pela gestão Covas é clara: é possível construir uma gestão educacional baseada em qualidades técnicas, transparência e compromisso pedagógico.
Sob a liderança da então secretária Rose Neubauer, e com o apoio de profissionais renomados, o processo foi conduzido com rigor e inovação. À época, tive a honra de participar diretamente dessa construção como secretário adjunto da Educação — hoje equivalente ao cargo de secretário executivo.
Para garantir isenção e qualidade no processo, foi contratada a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP), que organizou e executou todas as etapas da seleção de forma independente. O objetivo era claro: identificar, entre os quadros da própria Secretaria da Educação, os profissionais mais qualificados e comprometidos com as novas diretrizes da política educacional.
Mais de mil candidatos se inscreveram. Passaram por provas, entrevistas, apresentação de planos de trabalho e análise de trajetória. Pela primeira vez, professores com experiência em sala de aula puderam disputar esses postos ao lado de diretores de escola e supervisores de ensino — e muitos deles foram selecionados. Os então Delegados de Ensino — hoje chamados de Dirigentes Regionais de Ensino — passaram a liderar regiões com base em sua competência técnica, mas também por sua capacidade de diálogo com os profissionais da rede, com prefeitos e lideranças comunitárias.
A reação política foi previsível: prefeitos e deputados tentaram emplacar seus nomes, como sempre fora feito. Não conseguiram. Covas bancou a mudança. E o resultado foi a constituição de uma rede de lideranças educacionais conectadas com as necessidades reais das escolas e dos alunos.
Esses dirigentes exerceram papel estratégico na implementação de uma nova política educacional: combate à evasão e à repetência, implantação dos ciclos de aprendizagem, do sistema de avaliação externa, reorganização da rede, descentralização de recursos, municipalização e, importantíssimo, valorização docente. Elaboraram seus planos de trabalho e participaram ativamente da construção de uma escola pública mais justa e efetiva, com foco no aprendizado dos alunos. Muitos, aliás, se credenciaram a partir dessa experiência para alçar novos voos na área da educação, chegando à condição de secretários municipais em cidades importantes do estado. Foi o caso de Maria Teresinha del Cistia, em Sorocaba, e Cleide Bauab Bochixio, em Santo André.
Hoje, “mérito” costuma despertar desconfiança ou oposição. Mas naquele momento, mérito significava qualificação, compromisso e capacidade de liderar com justiça — em favor da escola pública, e não contra ela. E foi isso que se buscou: lideranças preparadas para servir ao interesse público com competência e espírito democrático.
O episódio, além de histórico, é atual. Num momento em que se discute em todo o país a profissionalização das lideranças escolares e a necessidade de blindar a gestão educacional da partidarização e do improviso, convém lembrar que há bons precedentes a seguir. Não faltam diagnósticos. Falta coragem.
O Brasil precisa voltar a discutir seriamente a seleção de lideranças públicas com base em capacidades técnicas e compromisso com o bem comum. A experiência de São Paulo em 1995 — agora, há exatos 30 anos — mostra que é possível fazer diferente. Que é possível fazer melhor. E que a boa política educacional começa com boas escolhas nos postos-chave do sistema.

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.