Artigo – As contradições do novo decreto federal sobre inclusão

Francisco Carbonari
A inclusão escolar voltou ao centro do debate público após a publicação do Decreto nº 12.686, de 20 de outubro de 2025, que instituiu a Política Nacional e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. O texto surge com a promessa de reafirmar princípios amplamente aceitos no campo educacional: garantir às pessoas com deficiência e com altas habilidades uma educação “sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades”, bem como assegurar as condições necessárias para o acesso, a participação e a permanência dos estudantes.
Entretanto, o decreto avança para além do que estabelecem as normas vigentes, especialmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), ao transformar a preferência legal pela inclusão em classes comuns em obrigação universal. Segundo o texto, todas as crianças e jovens, independentemente do tipo de deficiência ou do grau de comprometimento, devem ser matriculados em escolas regulares, ainda que haja indicação de atendimento especializado. Na prática, isso substitui uma diretriz flexível — que busca incluir sem ignorar necessidades específicas — por uma imposição generalizada.
Não surpreende, portanto, que as reações negativas tenham sido imediatas, culminando inclusive na apresentação de um Projeto de Decreto Legislativo no Congresso Nacional para sustar os efeitos da norma.
Como apontou recentemente o professor João Batista de Oliveira, “tratar todos igualmente não é o mesmo que tratá-los do mesmo modo”. Uma política que exige uniformidade ameaça a liberdade de escolha das famílias e deslegitima experiências cuja eficácia já foi comprovada, como as escolas bilíngues para surdos, as instituições especializadas e entidades tradicionais — Apaes, Pestalozzi, Associação Brasileira de Autismo, entre outras — que complementam e fortalecem a rede pública. Eliminar a diversidade institucional sob o argumento de ampliar a inclusão não é, de fato, incluir.
A defesa da inclusão escolar é fundamental e deve continuar sendo perseguida como política pública universal. No entanto, não se constrói uma política nacional por decreto, sobretudo sem a participação ativa das comunidades escolares, das entidades especializadas e das famílias. Um debate dessa magnitude exige transparência, ampla escuta e tramitação legislativa: seu espaço legítimo é o Congresso Nacional.
Além disso, a visão idealizada de que basta capacitar equipes pedagógicas para que todas as escolas regulares acolham qualquer estudante revela desconhecimento da realidade. Quem conhece o cotidiano das escolas públicas sabe que, em grande parte delas, faltam formação adequada, recursos pedagógicos e infraestrutura mínima para atender estudantes com diferentes graus e tipos de deficiência.
Em síntese, embora o decreto declare buscar a inclusão de todos — objetivo inquestionável —, o faz de maneira autoritária e desconectada das condições reais do país, ignorando dificuldades das escolas, fragilizando instituições especializadas e desconsiderando o direito de escolha das famílias.
A inclusão deve ser um compromisso nacional, mas não pode ser construída a partir de um modelo único. É preciso garantir múltiplas trajetórias, respeitando necessidades diversas, valorizando experiências consolidadas e assegurando que cada estudante encontre, de fato, o espaço educacional que lhe permita aprender e se desenvolver plenamente.
