Determinismo não educa ninguém

Por Hubert Alquéres
O Brazil Journal publicou recentemente um artigo provocador do amigo Jair Ribeiro. Ele traz uma pergunta incômoda: temos mesmo livre-arbítrio? (leia aqui). Amparado em autores como Robert Sapolsky, o texto sustenta que nossas decisões seriam produto de engrenagens genéticas, neurológicas e ambientais, e que a noção de autonomia não passaria de uma ilusão reconfortante.
É uma tese intelectualmente instigante. Mas, para quem vive a educação, pode ser uma armadilha.
Levado ao limite, esse raciocínio desemboca num determinismo absoluto que dissolve o sujeito: não haveria espaço para escolha, para mudança, para responsabilidade. Estaríamos todos condenados a repetir padrões, presos aos trilhos do que nos aconteceu ou do que nossos neurônios nos impõem. Uma visão que traz implicações éticas profundas.
A educação existe justamente para recusar esse imobilismo. A escola é, por excelência, o território onde se aposta na possibilidade de transformação. Nela, o ser humano não é reduzido à sua origem, às suas dores, aos seus diagnósticos ou às suas estatísticas. Cada trajetória concreta revela que há, sim, margem de manobra. Que escolhas são possíveis, ainda que difíceis. Que a liberdade pode ser exercida mesmo quando condicionada.
Essa liberdade, claro, não é absoluta, e talvez nunca tenha sido. Mas ela existe em graus, em frestas, em hesitações. E é exatamente nesse espaço que a educação atua: criando contextos em que o sujeito possa perceber que não precisa ser apenas o que lhe aconteceu. Que pode tomar outro rumo, experimentar outro futuro.
Não se trata de negar os condicionamentos, mas de enfrentá-los. E de construir, por meio da escola, das políticas públicas, da cultura e de relações humanas verdadeiras, as condições mínimas para que a escolha se torne viável. O livre-arbítrio, nesse sentido, não é um dom natural: é uma construção histórica e social. Um horizonte que se amplia quando há um professor que escuta, uma biblioteca que acolhe, uma política que protege.
Não é por acaso que tantos jovens, mesmo diante da pobreza, da violência ou do abandono, conseguem reinventar suas trajetórias. Encontram brechas no destino, redes de apoio, caminhos pela arte, pela ciência, pela palavra. Isso não é acaso nem milagre: é a grandeza humana em ação. É o livre-arbítrio possível, imperfeito, sim, mas real.
Aqui cabe uma advertência. O determinismo, quando mobilizado de forma cínica, transforma-se em álibi. Há quem o invoque para justificar desigualdades (“é o perfil da comunidade”), fracassos escolares (“não nasceu para isso”), condutas reprováveis (“não tem mais jeito”) e até mesmo omissões institucionais (“não adiantaria intervir”). Esse tipo de raciocínio absolve os contextos e condena os indivíduos. Substitui políticas públicas por resignação. Confunde dados com destino. Não é ciência, é ideologia. E sua consequência é sempre a mesma: a naturalização da exclusão.
Em tempos de inteligência artificial generativa, algoritmos de predição comportamental e personalização total, a discussão sobre liberdade de escolha ganha novos contornos. A educação, mais do que nunca, precisa formar sujeitos capazes de compreender os mecanismos que moldam suas decisões, e de resistir à submissão disfarçada de conveniência.
Determinismo não educa ninguém.
Educar é recusar o fatalismo. É insistir que, mesmo quando tudo parece determinado, ainda resta a possibilidade de nos transformar.
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Hubert Alqueres é Presidente da Academia Paulista de Educação e membro do Conselho Estadual de Educação.
