Artigo – Amizade em tempos de solidão

Ricardo Viveiros
Em meio à era das conexões instantâneas, estamos cada vez mais desconectados. Um recente artigo da Harvard Business Review analisa a chamada “recessão das amizades”, um fenômeno que revela a perda de vínculos profundos entre as pessoas. Segundo a pesquisa American Perspectives, o número de adultos que afirmam não ter “nenhum amigo próximo” quadruplicou desde 1990. Em contrapartida, os que declaram ter “dez ou mais amigos próximos” encolheram em um terço. Estatística incômoda que ecoa um sintoma global: somos uma sociedade cada vez maior, mas solitária.
A amizade, que sempre foi o terreno fértil da confiança e da solidariedade, passou a ser tratada como um luxo. Em cidades concentradas, hiper conectadas e vidas de muitos afazeres, reservar tempo para os amigos é um ato de resistência. A Universidade Stanford, ao lançar o curso Design para Amizades Saudáveis, reconhece um fato preocupante: é preciso reaprender a conviver. O gesto que antes era espontâneo – ligar, visitar, ouvir – agora exige planejamento, agenda e disciplina.
As consequências desse afastamento são tangíveis. Estudos apontam que o isolamento social aumenta o risco de doenças cardíacas, demência e até a mortalidade – efeitos comparáveis a fumar 15 cigarros por dia. Não se trata apenas de falta de companhia; é ausência de cuidado mútuo, de partilha emocional, de uma dimensão essencial à saúde humana. Faltam olhos nos olhos, atenção, abraços, beijos. A amizade é a mais antiga forma de terapia.
No livro Os Cinco Maiores Arrependimentos dos Moribundos, Bonnie Ware destaca um dos lamentos mais tristes de quem está perto do fim: “Gostaria de ter mantido contato com meus amigos”. É o reconhecimento tardio de que as relações verdadeiras valem mais que qualquer conquista material. Somos uma civilização que mede sucesso em seguidores e bens materiais, mas sofre falta de carinho.
O distanciamento entre as pessoas não é apenas social, é cultural. A pressa, o trabalho e o culto à produtividade transformaram o encontro em evento raro. Cafés, bares e clubes, outrora espaços de convivência, hoje têm mesas ocupadas por pessoas olhando telas. A vida moderna trocou o “como você está?” por emojis que disfarçam o vazio. A solidão, antes opção, agora é hábito.
Tal erosão silenciosa atinge o campo espiritual. Em tempos de fé individualista, diminui o sentido comunitário da experiência humana. Grupos religiosos, associações culturais e atividades voluntárias – antigas fontes de amizade – estão em queda. No lugar do convívio, multiplicam-se relacionamentos utilitários, baseados em conveniência. Muitos trocam amigos por redes sociais, trocam também familiares distantes e até animais de estimação. Amor não se substitui, se compartilha.
O estudo de 80 anos da Universidade de Harvard sobre felicidade é categórico: a maior fonte de bem-estar e longevidade não é dinheiro nem sucesso, mas relacionamentos próximos e de confiança. Essa conclusão deveria ser política pública. Promover a amizade é promover saúde. O Estado, a escola, o trabalho e as famílias precisam compreender que vínculos afetivos não são supérfluos, são infraestrutura emocional da sociedade.
Valorizar a amizade é também resgatar o tempo humano, o tempo suave do respeito. É ligar sem motivo, escutar sem pressa, estar presente sem tela. Permitir ser cuidado, amado.
O futuro não será habitável sem afeto. A recessão das amizades é uma crise invisível, mas profunda – uma epidemia de indiferença. Precisamos reagir! Que cada um de nós seja lembrado não pela quantidade e valor da networking, mas pelos amigos que nunca deixou de ter. Porque viver bem é, sobretudo, saber permanecer na vida dos outros. Gerar saudade é ser eterno.
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Ricardo Viveiros é jornalista, membro da Academia Paulista de Educação, professor e escritor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é autor de vários livros, dentre os quais: “A Vila que Descobriu o Brasil”, “O Poeta e o Passarinho” e “Memórias de um tempo obscuro”.
