A Educação em São Paulo no Império
Neste Ciclo de Palestras organizado pela Academia Paulista de Educação, com o objetivo de comemorar os 450 anos da fundação de São Paulo, coube-me discorrer sobre a história do ensino na Província e, em especial, na cidade cujo aniversário celebramos, focalizando o período de aproximadamente sete décadas que se estende da Independência à Republica.
Em minha exposição, obedecendo à série histórica dos acontecimentos, tentarei traçar, em suas linhas gerais, o panorama legal e o quadro de idéias que serviram de pano de fundo para as propostas e realizações ocorridas no período na Província de São Paulo e, particularmente, em sua Capital.
O Império, não obstante sua relativamente curta duração, foi uma fase extremamente importante da história brasileira pelo volume, diversidade e complexidade dos problemas que teve de enfrentar nos planos político e administrativo, especialmente no campo da educação, pelo que lhe foi possível realizar, pelas lições auferidas de experiências frustradas, pela identificação dos problemas a serem futuramente resolvidos, bem como pelos importantes estudos e reflexões sobre questões educacionais que legou à República.
Nas primeiras décadas do sec. XIX, às vésperas da Independência, a cidade de São Paulo merecia ainda a alcunha de “bela sem dote” que lhe fora dada pelo Governador Gomes Freire da Andrade quando a viu em princípios do sec. XVIII.
Na verdade, por mais de dois séculos, desde as suas origens, a terra dos paulistas vivera pobre, despovoada e praticamente isolada no planalto de Piratininga. As longínquas e intermináveis caminhadas dos homens de São Paulo à caça do índio para escravizar e depois em busca do ouro, embora tenham incorporado à monarquia portuguesa “regiões mais vastas do que muitos impérios”, como o registrou com assombro Auguste de Saint Hilaire, em l8l9, resultaram no total abandono dos próprios pagos pelos paulistas.
“Enquanto esses homens corajosos – diz o cientista francês- lançavam, longe do seu torrão natal, os fundamentos de grande número de aldeias, suas habitações não eram reparadas, a discórdia explodia entre as famílias, sua cidade entrava em decadência. (…) Desde a descoberta das Minas Gerais, a população da capitania de São Paulo não cessou de diminuir. Os imigrantes a empobreciam com as despesas que eram obrigados a fazer com os preparativos da viagem. Por falta de braços, as terras permaneciam incultas e o gado ficava abandonado; as habitações caiam em ruínas.” Assim, em fins do sec.XVII , e sem contar as populações dos campos circunvizinhos, a sede da capitania não tinha mais de 700 habitantes.
Foi somente em meados dos sec. XVIII, depois de repartidos os terrenos auríferos e estando severamente proibida a escravização dos selvagens, prática que também dera origem a graves conflitos com os jesuítas, que os paulistasmudaram seus hábitos de vida de mais de dois séculos, passando a dedicar-se a ocupações mais sedentárias.
A partir de então, a economia paulista, de base agrícola, fundava-se principalmente no comércio do açucar produzido no interior e no do incipiente café do Vale do Paraíba. O transporte dessa produção era feito por tropas de muares, por caminhos pantanosos e escabrosos, por entre os despenhadeiros da serra, até o Porto de Santos. A São Paulo Railway só seria inaugurada em 1867.
O comércio dessas tropas de burros, em sua maior parte trazidos do Rio Grande do Sul, era também então uma boa fonte de renda para alguns paulistas da Capital e para os moradores da região de Sorocaba, onde se estabelecera uma grande feira de muares desde o final do sec. XVIII.
Logo depois da Independência, em 1824, contava a Província de São Paulo com cerca de 250.000 habitantes, entre livres e escravos, dos quais menos de 20.000 na Capital e suas paróquias.
A cidade era pobre, não dispunha de meios públicos de transporte, era precariamente iluminada por lampiões alimentados com óleo de peixe e não tinha nem mesmo hospedarias, embora possuísse algumas pousadas, como a do Bexiga e a do Lavapés, para abrigar os tropeiros que cruzavam a cidade em busca do porto de Santos.
Em testemunho sobre a vida da cidade, informa Francisco de Assis Vieira Bueno, que nascera na cidade de São Paulo em 1816 e que nela realizara seus estudos, desde as primeiras letras: “Não havia hospedarias porque os viajantes vindos do interior eram poucos, em razão de as viagens a cavalo, por maus caminhos, serem difíceis, e por serem ainda mais poucos os que vinham do exterior, pela mesma razão e pela falta de motivos que os atraíssem. Para esses hóspedes pouco numerosos era suficiente a hospitalida-de particular.”
A vida intelectual da cidade, contudo, segundo depoimento do mesmo Vieira Bueno, não se equiparava a esse atrasado modo de vida da população. “A mocidade das classes superiores e medianas, de longa data, havia freqüentado as aulas públicas de latim, de retórica e de filosofia.”
Cabe aqui uma breve referência ao que ocorrera na vida cultural da cidade depois da saída dos Jesuítas.
Após a expulsão dos Jesuítas em 1759, extinto o Seminário criado em 1757, o prédio do Colégio, convertido em Palácio, tornara-se a sede do Governo e a morada dos Governadores Gerais. Para atenuar a extrema penúria cultural da Pauliceia de então, cerca de vinte anos depois, o terceiro bispo de São Paulo, D. Frei Manuel da Ressurreição, segundo Carrato “franciscano observante de Lisboa”, deu início às atividades do Seminário Diocesano na edificação anexa ao Palácio, o qual haveria de funcionar por mais de doze anos. Dentre os professores – informa ainda Carrato – contavam-se o próprio bispo, “filiado à ilustração pombalina, de sólida cultura francesa, talvez jansenista”, que ensinava Francês, Teologia Moral e Escritura Sagrada, mestres de Retórica, Filosofia e Latim, arregimentados pelo Bispo, e franciscanos do Largo de São Francisco, “da melhor fase intelectual do convento de São Paulo”, que se encarregavam de Teologia Dogmática. E acrescenta: “Nos últimos anos de vida desse Seminário, nele teriam lecionado Frei Inácio de Santa Justina, mestre de Monte Alverne e o notável Frei Antônio de Santa Ùrsula Rodovalho.”
Ao que tudo indica, após a extinção desse Seminário, no final do sec. XVIII, algumas aulas permaneceram no prédio do Palácio; outras continuaram a ser ministradas no Convento de São Francisco, tendo sido incorporadas ao curso anexo à Academia, depois da criação do Curso Jurídico em l827.
Quanto à natureza e o nível desses estudos de humanidades existentes em São Paulo, às vésperas de Independência, tem-se notícia de que a Província, nos primeiros anos do século XIX, manteve cursos de Filosofia e de Matemática, de Latim e de Retórica a cargo de mestres insignes, tais como, Martim Francisco, Diogo Antônio Feijó, Mont’ Alverne e outros.
Segundo Von Martius, que visitou São Paulo pouco antes da Independência, os estudos de Filosofia que ali se realizavam haviam tomado rumo diverso depois que a obra de Kant se tornara acessível aos interessados da terra pela tradução de Viller. Segundo o cientista alemão , também os clássicos latinos eram estudados com afinco no ginásio, “se é que se pode dar esse nome –acrescenta- ao instituto existente na cidade para a educação da mocidade.”
Explica-se assim a afirmação do paulista Vieira Bueno, em suas Recordações Evocadas de Memória, de que “nos tempos vizinhos da Independência, a intelectualidade dos habitantes da cidade de São Paulo não se achava em igual correlação com o seu atrasado modus vivendi, resultante da estreiteza de seus recursos, de sua indústria, de seu comércio, e também da voluntária preservação da antiga simplicidade nos costumes.”
A propósito, cabe lembrar que o clima cultural de São Paulo e os estudos que aqui se realizavam ofereceram a formação necessária ao êxito de homens de São Paulo em atividades acadêmicas junto a universidades européias como, entre vários outros, foi o caso de José Bonifácio, e foram suficientes para o preparo de homens notáveis, como Feijó, que jamais saiu de sua terra natal para cursar Academia.
A existência desse importante núcleo de estudos na cidade de São Paulo, contudo, não deve levar à conclusão de que também a educação popu-lar se expandira na Província e em sua Capital. Nas camadas mais baixas da população, entretanto, ao desinteresse pelos estudos contrapunha-se o sentimento cívico do paulista e a consciência de seu direito de participar da vida política da cidade.
Após a Independência, e com fundamento nos mesmos princípios liberais e democráticos que haviam consagrado o regime constitucional e o processo representativo, os constituintes de 1823 discutiram amplamente questões relacionadas com o ensino e, até mesmo, a criação de uma Universidade, mas preocuparam-se especialmente com os estado deplorável da educação popular em todo o Império. Demonstram-no os debates então travados e as indicações apresentadas. Apontando a instrução do povo como a condição da efetiva implantação e como o mais sólido sustentáculo de nova ordem que se instaurara, argumentava Maciel da Costa: “Quem vive debaixo do capricho e arbitrariedade, necessita apenas de forças físicas para agüentar os trabalhos ordenados pelo tirano, e de paciência, resignação e silêncio para não irritá-lo. O contrário passa num governo livre, fundado sobre os direitos de todos os indivíduos, onde todos os cidadãos ilustrados são por lei fundamental admitidos a tomarem parte na legislação de seu país, onde todos os homens têm acesso a todos os empregos; onde, enfim, é preciso formar um espírito púbico que é a mais sólida barreira e o mais inexpugnável baluarte da liberdade contra as maquinações do despotismo e da ambição de inimigos, assim domésticos, como estranhos.”
O projeto de Constituição, traduzindo a preocupação de preparar o povo para o regime que se instaurava, previa a difusão da instrução pública de todos os níveis , salientando a responsabilidade do governo e consagrando espres-samente a liberdade da iniciativa particular.
A dissolução da Constituinte sepultou com ela o projeto de Constituição e outras importantes resoluções relativas à instrução pública, dentre outras a de se criarem cursos jurídicos nas cidades de São Paulo e Olinda. Entretanto, pouco tempo depois, D. Pedro concedia à nação sua lei fundamental. A Constituição outorgada de 1824, atendendo aos reclamos da Câmara extinta, garantia a instrução primária gratuita a todos os cidadãos e prometia a criação de Colégios e Universidades.
A liberdade da atuação da iniciativa privada no ensino, vigente desde os tempos coloniais, embora não tenha sido referida no texto da Constituição outorgada, já havia sido anteriormente confirmada pela lei de 20 de outubro de 1823, que declarara em vigor, entre outros atos das Cortes Portuguesas, o Dec. de 21 de junho de 1821, que permitia “a qualquer o ter Escola aberta de primeiras letras sem dependência de exame ou de alguma licença.”
Reunida a primeira legislatura em 1826, em 11 de agosto de l827 criaram-se os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda. Quanto ao ensino elementar, uma lei de 15 de outubro do mesmo ano determinou a criação de escolas de primeiras letras para meninos “em todas as cidades , vilas e lugarejos” e instituiu o ensino público elementar para o sexo feminino ao dispor sobre a criação de escolas de primeiras letras para meninas nas “cidades e vilas mais populosas.” A mesma lei estabeleceu os currículos das escolas de meninos e meninas e consagrou expressamente a prática do ensino mútuo, então conhecido como método de Lancaster.
Informações disponíveis evidenciam que o método de Lancaster já vinha sendo praticado na cidade de São Paulo antes mesmo da lei de 15 de outubro. Conta Vieira Bueno que, em 1827, freqüentara em São Paulo o Seminário de Santana, instalado em uma antiga propriedade dos Jesuítas, a uma légua ao norte da cidade. Tratava-se de uma escola de primeiras letras onde o ensino, regido pelo método de Lancaster, era ministrado por um oficial inferior do Exército. “O estabelecimento – esclarece Vieira Bueno – que era subvencionado pelo Governo da Província, funcionava sob a direção administrativa do irmão Luís, paulista natural de Campinas,(…) unicamente com a aula de primeiras letras. Mas esta – diz ele – era a melhor que então havia em São Paulo, pois afastava-se da antiga rotina, adotando o método de Lancaster, chamado ensino mútuo. O governo imperial – prossegue – havia adotado o acertado alvitre de mandar que se habilitassem para o ensino desse método alguns oficiais inferiores do Exército, que foram distribuídos pelas províncias.”
Tal depoimento ajusta-se à afirmação de Ferreira Carrato de que o referido método já fora adotado nas escolas do Exército bem antes da lei de 1827. “Em primeiro de março de 1823 – informa – surgiu na Corte a Escola Normal de Ensino Mútuo, a cargo da Repartição de Guerra; nessa escola vieram instruir-se muitos militares da várias Províncias e se fundaram outras dessas escolas de ensino mútuo no Ceará, no Pernambuco e no Rio Grande do Sul.”
Em São Paulo, o método de Lancaster, recebido com entusiasmo pelas autoridades da Província, que nela viam a solução para a escassez de profes-sores, acabou sendo abandonado com a mesma rapidez, entre outras causas, pelo desinteresse dos próprios mestres, tendo em vista que o provimento de uma escola de ensino mútuo pressupunha habilitação especial e aprovação em exames, exigências que não eram acompanhadas de vantagens financeiras.
Às vésperas do Ato Adicional, o quadro geral da instrução pública no Império , enriquecido com a criação de cursos superiores, não se alterara significativamente, entretanto, quanto aos estudos de nível primário e médio: poucas escolas de primeiras letras e baixo número de aulas avulsas, no velho estilo da aulas régias, constituíram todo o saldo positivo do período que sucedeu a Independência e precedeu à reforma constitucional de 1834.
O Governo Central, sufocado pelos encargos decorrentes de uma cen-tralização excessiva, a qual, aliás, era apontada em São Paulo como um dos óbices para a atuação dos poderes provinciais no campo da educação, e devendo enfrentar questões inadiáveis, tais como a de garantir a integridade da nação seriamente ameaçada pelos movimentos armados que então agitavam o país, e a de estruturar juridicamente a nação que se constituía, não encontrara tempo e recursos para zelar devidamente pela instrução pública.
Nos inícios da década de 30, na capital de São Paulo, as escolas ele-mentares eram relativamente bem freqüentadas, principalmente devido à pre-sença da Academia de Direito mas, no resto da Província, a situação era então de despovoamento das escolas.
O s dados oficiais relativos ao ano de 1833, endereçados à Assembléia Geral pelo Ministro do Império Chichorro da Gama, indicam que a oferta de aulas secundárias e do ensino de primeiras letras, pelo poder público, não fizera progressos. Para toda a Província de São Paulo, são os seguintes os números quanto ao ensino elementar: para meninos, 33 escolas providas e 31 vagas; para meninas, 4 providas e 5 vagas. Quanto às aulas secundárias, num total em que certamente não se encontram computadas as aulas do Curso Anexo à Academia, o Relatório só aponta a existência de aulas de Latim, das quais 5 providas e 5 vagas.
Em São Paulo, segundo depoimento de Vieira Bueno, haviam sido altamente significativos os reflexos da criação do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais na capital da Província. Informa o ex-aluno do Curso Jurídico de São Paulo que estudara na Capital desde as primeiras letras: “Com a criação dessa Academia ampliou-se grandemente o círculo da classe letrada, não só pelo conhecimento destas ciências (….) como pelo aumento dos estudos preparatórios com as cadeiras de francês e inglês, aritmética e geometria, história e geografia. Se não fora essa fundação, inúmeras aptidões deixariam de seraproveitadas.”
A criação do Curso Jurídico em São Paulo, em 1827, e a análise de seus importantes reflexos no quadro cultural da Província de São Paulo, especialmente no de sua Capital, merecem, portanto, destaque especial no momento em que se comemoram os quatrocentos e cinqüenta anos da fundação de São Paulo.
A Indicação de 14 de Junho de 1823, apresentada pelo paulista natural de Santos, José Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro Visconde de São Leopoldo, à Assembléia Constituinte, foi objeto de intensos e pitorescos debates. A sede do Curso Jurídico no Município da Corte, defendida por alguns deputados, era a preferida pelo Governo. Outras localidades, além da Capital do Império, foram apontadas por deputados de várias províncias, em contraposição a São Paulo. A propósito, informa Almeida Júnior, em estudo divulgado no Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, por ocasião da comemoração dos quatrocentos anos da Cidade: “Atacantes e defensores inspiraram-se mais no sentimento do que na razão.” Talvez porque de começo tivesse sido lembrado com exclusividade, São Paulo foi mais combatido que Olinda. “ Que razão haverá para ser em São Paulo que se vá estudar Direito?” indaga Almeida Albuquerque.
“Não sei porque aqui se anda com São Paulo para cá, São Paulo pra lá; em nada aqui se fala que não venha de São Paulo” diz o baiano Montezuma, que acrescenta: “Sim, a vida ali é barata, mas de uma barateza extraorinária, que é filha de sua pobreza.” Outro baiano, o futuro Visconde de Cairu, assinala que “a viagem por terra a São Paulo é detrimentosa.” E que o dialetofalado pelos paulistas “é o mais ‘notável’ no país”. De sorte que, diz ele, “a mocidade do Brasil, fazendo ali os seus estudos, contrairia pronúncia mui desagradável.” Por sua vez, e também combatendo na Assembléia Constituinte a criação de Curso Jurídico em São Paulo. o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos alegava que “se viessem para a Academia 50 ou 60 estudantes, não teriam onde morar”, tão pequena lhe parecia a velha cidade do planalto.
Na Primeira Legislatura, convocada em 1826, após a dissolução da Constituinte, a proposta da criação de dois cursos jurídicos, um em São Paulo e outro em Olinda, foi reapresentada por Francisco de Paula Souza e Melo. Sintetizando os debates então havidos, escreve Almeida Junior: “Quase ao encerrar-se a discussão, o deputado mineiro Custódio Dias, que andara antes cursando escola em São Paulo, exorta afetuosamente o plenário em favor da cidade de Anchieta: “é o país mais próprio para se estudar” e a nova instituição “irá animar aqueles povos de tantas vexações que têm sofrido. Demais, aos seus habitantes muito deve o Brasil inteiro”. Aprovado nas duas casas do Parlamento, o projeto se fez lei aos 11 de agosto de 1827.
Sobre a fisionomia da cidade à época da instalação do Curso Jurídico no velho prédio do Convento de São Francisco, escolhido por suas dimensões e pelas caraterísticas da edificação, rude mas ampla e sólida, pelo primeiro diretor designado pelo Governo Central, o bacharel por Coimbra e também militar, José Arouche de Toledo Rondon, observa Fernando de Azevedo: “Na cidade de São Paulo, pequenina e bisonha, escorregando-se pelas ladeiras lamacentas onde troteiam as tropas de burros, o casario apinhava-se dentro do triângulo formado pelas Igrejas do Carmo, de São Francisco e de São Bento. Era ainda em l827 tão pequena que, com suas casas quase todas térreas e de paredes de taipa, a metade da cidade poderia caber, segundo depoimento de Toledo Rondon, no cercado ou quintal do Convento de São Francisco.”
A aula inaugural do Curso Jurídico de São Paulo foi proferida no dia primeiro de março de 1828, pelo primeiro e então único professor do Curso, José Maria de Avelar Brotero, bacharel pela Universidade de Coimbra, “de onde saíra um pouco às pressas – conta Almeida Júnior – por se haver metido em conspiração liberal.”
Segundo o jornal FAROL PAULISTANO, a aula foi uma oração enérgica e eloqüentíssima, “E foi assim – diz Almeida Junior – com uma ‘oração enérgica e eloqüentissima, proferida por um conspirador liberal , que principiou a doutrinação no Curso Jurídico de São Paulo.”
As oito primeiras turmas que ingressaram no Curso Jurídico tinham pouco mais de 30 alunos. A de 1830, excepcionalmente, reuniu 99 estudantes e ficou conhecida como a ‘turma grande”. Mesmo assim, o corpo discente total, àquele tempo, não atingia 200 matrículas.
Quanto à origem dos alunos, em 1829 eram paulistas apenas 14% dos acadêmicos. A cidade e a Província estavam ainda longe de poder lotar o Curso Jurídico. Vinham moços de outras províncias, até mesmo das do norte, apesar da existência de Curso Jurídico na Província de Pernambuco.
A pequena São Paulo de 1830 foi sendo tomada então por residências coletivas de estudantes denominadas repúblicas, provavelmente por serem democraticamente administradas por um chefe, estudante como os outros, escolhido mediante eleição e com mandato temporário. Os conservadores, por seu lado, diziam com França Júnior: “é república porque a desordem, entrando pela porta da rua, ali se instala.”
O pátio do claustro do antigo convento e a área coberta que o circun- dava, com colunas encimadas por arcadas, tornou-se o lugar predileto de encontro dos estudantes, antes e depois de cada aula e, para muitos deles, o tempo que permaneciam nas arcadas, as quais faziam as vezes dos ‘Gerais’ da Universidade de Coimbra, superava de muito o da permanência nas aulas.
Assim , e especialmente nos primeiros tempos, o Pátio e as Repúblicas foram os lugares em que se realizou o importante e fecundo convívio dos estudantes.
O Curso Jurídico de São Paulo, que nasceu sob o signo do liberalismo, com a aula inaugural de Avelar Brotero, foi desde as suas origens um importante foco de fermentação e de divulgação das idéias liberais.
A propósito, relata Almeida Júnior: “Três anos depois da fundação, o absolutismo luso-brasileiro faz assassinar Libero Badaró: são acadêmicos os primeiros que socorrem a vítima e lhe velam a agonia, os que acompanham o esquife ao cemitério e reclamam a punição dos assassinos. Em julho de l831, constando que os ‘queremistas’ de D.Pedro I pretendiam depor a Regência, os estudantes de São Paulo pedem armas e estão prontos para seguir com destino ao Rio, organizados em batalhão.”
A partir de meados do século – acrescenta Almeida Júnior – “o tronco do liberalismo recebeu o enxerto abolicionista.”
Bem mais tarde, já na década de 60, quando da queda do gabinete liberal e do Ministro do Império José Bonifácio, o Moço, professor da Academia, e “a encarnação mais fascinante dos ideais liberais”, a mocidade das Arcadas ofereceu um banquete ao Ministro demissionário. Saudou-o Joaquim Nabuco e sentaram-se à mesa, entre outros, os jovens: Rui Barbosa, Castro Alves, Américo Brasiliense, Américo de Campos e Ferreira de Menezes.
No campo da educação e, especialmente a partir da década de 70, foi significativa a participação dos acadêmicos, alunos e professores, dentre os quais avulta a figura de Leôncio de Carvalho, em iniciativas voltadas para a expansão da educação popular e na defesa da total liberdade do ensino.
A mesma lei de 11 de agosto de 1827, que criou os Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais na cidade de São Paulo e Olinda, determinava que, para as matrículas nos cursos jurídicos , os estudantes deveriam ter, no mínimo, 15 anos completos e apresentar certidões que comprovassem aprovação em língua francesa, geometria, latim, retórica e filosofia racional e moral. Tais conhecimentos eram aferidos mediante exames realizados junto aos próprios cursos jurídicos, por dois professores, “peritos nas respectivas matérias,” designados pelo Diretor da Academia. Visando a garantir condições para a realização dos estudos preparatórios, a mesma lei prometia a criação das cadeiras necessárias nas cidade de São Paulo e Olinda.
Assim, alguns anos depois, os novos Estatutos dos Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais do Império, aprovados em 1831, previram a incorporação às Academias de seis cadeiras destinadas a ministrar os conhecimentos exigidos para os exames de preparatórios aos quais, agora, se acrescentavam inglês, aritmética e geometria e história e geografia. Consta que, de início, tais aulas em São Paulo foram ministradas em algumas salas do prédio do antigo colégio dos jesuítas, que se convertera em Palácio do Governo.
Como procurei demonstrar em outro trabalho, a forma pela qual foi conduzida pelo Governo Central, nos anos subseqüentes, a questão do acesso aos cursos superiores contribuiu decisivamente para que estudos secundários permanecessem fragmentados em aulas avulsas e matou no nascedouro as iniciativas provinciais, inclusive as da Província de São Paulo, no sentido de organizar os estudos desse nível em cursos seriados, oferecidos em Liceus e estruturados nos moldes do Imperial Colégio de Pedro II, inaugurado na Corte em l838.
Após a abdicação em 7 de abril de 1831, a reforma da Constituição que se fez mediante o Ato Adicional de 1834, buscando preservar a unidade do Império, propôs-se a atender parcialmente às reivindicações descentralizadoras que pediam a federação e mesmo a República, e que vinham agitando o país desde a Independência.
Compromisso entre as tendências mais radicais e as posições conser-vadoras, o Ato Adicional manteve o poder moderador, conservou a vitaliciedade do Senado e rejeitou a autonomia municipal. Entretanto, complementando as medidas descentralizadoras consagradas pelo Código do Processo Criminal de 1832, extinguiu o Conselho de Estado e criou as Assembléias Legislativas Provinciais, às quais conferiu importantes atribuições.
No campo da educação, a reforma constitucional conferiu às províncias o direito de “legislar sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la”, excluindo de sua competência apenas os estabelecimentos de ensino de todos os níveis, então existentes, criados pelo Governo Central, bem como aqueles que, no futuro, viessem a ser criados por lei geral. Instituía-se , assim, uma dualidade de competências que possibilitava a criação em cada província de dois sistemas paralelos de ensino: o provincial e o geral.
Tal entendimento jamais foi contestado. Em 1870, Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai, então Ministro do Império e autor dos magistrais ESTUDOS PRÁTICOS SOBRE A ADMINISTRAÇÃO DAS PROVÍNCIAS DO BRASIL, declarava ter omitido do Projeto de Interpretação do Ato Adicional a consideração do parágrafo segundo do artigo 10, “à vista – dizia – da opinião de todos a quem ouvi sobre o mesmo objeto e que foram unânimes em sustentar que a atribuição é cumulativa.”
Contudo, a participação direta dos poderes gerais no desenvolvimento dos dois primeiros níveis de ensino nas províncias, embora admitida como constitucional, não chegou a se efetivar. Após o Ato Adicional, não se criaram por leis gerais quaisquer estabelecimentos desses níveis nas províncias. Por outro lado, as províncias não se interessaram pela criação de escolas de nível superior, entre outras razões porque prevaleceu o entendimento de que os diplomas expedidos por estabelecimentos provinciais desse nível seriam válidos apenas no âmbito da Província mantenedora.
No campo dos estudos públicos secundários, portanto, permaneceram sob o controle direto do Centro apenas as aulas avulsas do Município da Corte, extintas em fins de 1857, o Colégio de Pedro II, inaugurado em 1838, e as turbulentas aulas menores anexas aos cursos jurídicos de São Paulo e do Recife.
Entretanto, o monopólio do ensino superior que foi exercido de fato pelo Poder Geral propiciou-lhe decisiva influência sobre o ensino secundário mantido pelas províncias. Destinando-seprecipuamente a preparar para os cursos superiores, o ensino secundário oferecido pelas províncias, quanto ao conteúdo, ficou restrito aos preparatórios, ou seja, aos conhecimentos exigidos nos exames de ingresso às Academias. Quanto à estrutura, por sua adequação ao sistema parcelado adotado nos exames de preparatórios, permaneceu fragmentado em aulas avulsas, mesmo quanto ministrado em alguns poucos Liceus que se criaram nas províncias.
Para o custeio dos serviços decorrentes das novas atribuições dadas às províncias, o Ato Adicional, no quinto parágrafo do artigo 10, conferiu `as Assembléias Provinciais o direito de fixar as despesas municipais e provinciais e os impostos necessários, “desde que não fossem prejudicadas as imposições gerais do Estado.” Poderiam igualmente as Câmaras propor os meios de ocorrer às despesas de seus municípios.
Tornava-se necessário, portanto, fixar com precisão os impostos gerais para que as províncias pudessem, por sua vez, determinar as fontes da própria receita. Contudo, em decorrência das graves dificuldades financeiras que o país então enfrentava, efetuou-se uma partilha provisória pela lei de 31 de outubro de 1835, a qual muito pouco reservou às províncias e que acabou por permanecer quase inteira, até os anos finais do Império. “Adiando a dificuldade –lamentava Tavares Bastos em 1870 – a reação perpetuou o provisório.”
As dificuldades financeiras das províncias, entretanto, não resultaram unicamente do reduzido quinhão que lhes coube; foi-lhes dificultada, também,segundo o testemunho de Paulino José Soares de Souza, em seus ESTUDOS PRÁTICOS SOBRE A ADMINISTRAÇÃO DAS PROVINCIAS DO BRASIL, a que já me referi, a cobrança dos magros recebimentos que lhe reservara a partilha de 1835: “Dado que o contribuinte não pague voluntariamente o imposto – esclarece o Visconde do Uruguai – e oponha ao seu pagamento obstáculos que somente podem ser removidos por meios jurídicos ou administrativos, (…) podem as províncias legislar sobre o modo de os remover, e indicar a autoridade que o há de fazer?(…) Pretende-se que a Assembléia Provincial não pode determinar qual há de ser o juiz e o processo, porque o Ato Adicional não lhe confere em parte alguma faculdade especial sobre o objeto.” E conclui: “Criado um imposto por uma Assembléia Provincial, terá a administração provincial de esperar , sabe Deus até quando, que a Assembléia Geral, por uma lei complementar, especial, indique qual a autoridade que há de corrigir o contribuinte recalcitrante, conhecer suas reclamações, judicial e administrativamente, e por que processo. A Assembléia Provincial, depois de criado o imposto, pára, estaca.”
Passando a ter, de fato, sob sua exclusiva responsabilidade a oferta do ensino primário e médio, e não dispondo as Províncias dos recursos necessários para tanto, a instrução correspondente a esses dois primeiros níveis da instrução, e especialmente a secundária, que se reduzia ao estudo parcelado das disciplinas preparatórias exigidas nos exames de ingresso nos cursos superiores mantidos pelo governo central, foi sendo progressivamente entregue à iniciativa particular. Tal política, cuja adoção em grande parte se deveu à insuficiência dos recursos provinciais, contava com o irrestrito apoio das idéias liberais que postulavam a total liberdade do ensino.
No caso do ensino elementar, reduzido às primeiras letras, foram es-pecialmente sensíveis, no ensino público da Província de São Paulo, os efeitos da insuficiência de recursos.
Com seus parcos salários, os professores viam-se constrangidos a arcar com as despesas necessárias à instalação das aulas. Ante a alegação das auto-ridades de que as rendas provinciais não podiam suportar as despesas neces-sárias à compra ou ao aluguel de prédios, coube aos docentes enfrentar o pro-blema. Assim , com freqüência, as classes eram instaladas na moradia do professor ou, muitas vezes, em lugar inadequado cedido por terceiros. Quanto ao material escolar, conforme depoimento do Inspetor Geral de Instrução Pública, no Relatório de 1858, a quota votada pela Assembléia Provincial para o atendimento dessas despesas, além de insuficiente pois, segundo o Inspetor Geral não bastava sequer para a compra do papel necessário, caia freqüentemente em exercício findo pela inoperância da burocracia governamental. Assim, segundo o mesmo Inspetor Geral, apesar da simplicidade do material utilizado para o ensino das primeiras letras, as crianças chegaram a ficar privadas das lições de escrita, por não possuírem o material necessário, nem poder o professor fornecê-lo. E mais, até meados da década de 50, os reduzidos salários dos docentes só podiam ser recebidos na Capital, circuns-tância que exigia despesas com a nomeação de um procurador na cidade de São Paulo.
Quanto ao preparo de seus mestres de primeiras letras, embora houvesse sido criado, já em 1846, na capital, um estabelecimento a que se deu o nome de Escola Normal, a questão só principiou a ser seriamente enfrentada pelo governo da Província, na década de 80, às vésperas da República.
O curso da denominada escola normal criada em 1846, e instalado em sala de edifício contíguo à Catedral da Sé, tinha a duração de dois anos, destinava-se exclusivamente a alunos do sexo masculino e era regido por um único professor, o bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, Manuel Chaves, então Juiz de Paz do Distrito da Sé, ex-professor do Curso Anexo à Academia de Direito e ex-Deputado Provincial. Sobre a natureza e a eficácia dos estudos que nela se realizavam observava, em seu Relatório de 1854, o então Inspetor Geral de Instrução Pública, Diogo de Mendonça Pinto: “Não é possível que em um curso de dois anos, com lições diárias de uma hora se possa esgotar a multiplicidade de assuntos. O que há aí é análise gramatical, algumas operações de aritmética, certas explicações de Religião e, principalmente, a Lógica, a leitura de D. João de Castro: de tudo isso tão pouco e tão superficial que em nada aproveita.”
Fechada em 1867, a escola normal seria recriada em 1875, tendo sido então provisoriamente instalada no prédio do Curso de Preparatórios. Extinta três anos depois, em 1878, segundo consta devido à inexistência de dotação orçamentária, só seria reaberta em 1881.
Quanto aos estudos secundários, os números oficiais revelam que os mesmos encontravam-se praticamente entregues à iniciativa particular já no final da década de 50.
O relatório da Inspetoria Geral de Instrução Pública, apresentado em 1862, dá notícia da existência de apenas 10 aulas públicas secundárias de latim e francês no interior da Província e de uma aula de pintura e desenho na Capital.
Na cidade de São Paulo, além das muitas aulas avulsas, de um ou mais preparatórios, que não constavam dos registros oficiais, ministradas por parti- culares, freqüentemente em suas próprias residências, já existiam desde a dé-cada de 50, também mantidos pela iniciativa particular, estabelecimentos de ensino denominados colégios, que ofereciam a meninos, além da instrução elementar, estudos mais ou menos aprofundados de gramática latina e línguas modernas e, na medida do interesse dos alunos, uma ou outra aula de retórica, geometria, historia, geografia, filosofia e música. No Relatório da Inspetoria Geral da Instrução Pública de 1857, são arrolados, entre outros, os colégios Ipiranga, Brasileiro, Emulação e Ateneu Paulistano. Destes, o Colégio Ipiranga, famoso à época pelos métodos e processos de ensino adotados por seu Diretor José Tell Ferrão, tinha um currículo de estudos mais simples, limitado às primeiras letras, gramática nacional, aritmética, geografia e línguas. Seus alunos, com bom preparo básico, eram matriculados no curso de preparatórios anexo à Faculdade de Direito.
Para a educação de meninas, até a criação da Casa de Educação Nossa Senhora do Patrocínio, em Itú, em 1858, foi oferecida apenas a instrução elementar, tanto nas escolas públicas como nos chamados colégios mantidos pela iniciativa privada. Os poucos estabelecimentos de ensino dessa natureza, existentes em meados do século, localizavam-se, em sua quase totalidade, em núcleos urbanos do interior da Província que, enriquecidos pela cultura do café, vinham alcançando grande desenvolvimento.
No final da década de 60, o reconhecimento da importância da contribuição privada no desenvolvimento dos dois primeiros níveis de ensino, a liberdade que de fato lhe vinha sendo concedida em decorrência da precariedade da fiscalização exercida por agentes não remunerados, bem como a crença de que se deveria livrá-la de todos os entraves para que ainda mais se expandisse, acabaram por instituir em São Paulo, de direito e não apenas de fato, pela lei número 54, de 15 de abril de 1868 e nos termos do respectivo Regulamento, editado um ano depois, a liberdade de ensino nos níveis primário e secundário e a desoficialização do ensino secundário.
No início dos anos 70, a liberdade do ensino, com o apoio das idéias li-berais que então se radicalizavam, passou a ser também reivindicada na As-sembléia Geral para os ensinos primário e secundário ministrados na Corte e para o superior em todo o Império, que se encontravam sob a exclusiva res-ponsabilidade do Poder Central.
Roque Spencer Maciel de Barros, em magistral síntese das idéias sobre ensino e educação vigentes no Brasil nas décadas de 70 e 80, no período em que ocorre o movimento de idéias a que deu o nome de ilustração brasileira, afirma que, relativamente ao problema da educação e da instrução, o pensamento liberal se constitui, ao lado do cientificismo, numa das forças capitais da ilustração brasileira. “Duas–afirma- são as suas teses principais: a obrigatoriedade do ensino elementar e a liberdade de ensino em todos os graus.”
Contudo, os projetos que defendiam essas medidas então apresentados à Assembléia Geral, amplamente discutidos até 1875, foram a seguir esquecidos.
A essa altura, entretanto, a Província de São Paulo que, em 1868, já consagrara em lei a liberdade do ensino elementar e do ensino secundário, bem como a desoficialização do secundário, acabava de tornar obrigatória a instrução primária nas vilas e cidades da Província, mediante lei editada em 1874, a qual também criava uma Escola Normal.
Com fundamento nos princípios liberais, entendiam os paulistas que a educação não era apenas um direito a ser garantido pela oferta gratuita do ensino elementar, mas um dever do cidadão para consigo mesmo e para com a nação, a ser cumprido, no caso das crianças, pelos pais ou responsáveis mediante garantia de sua freqüência às aulas.
O poder público provincial, consciente de suas responsabilidades em relação ao ensino elementar, vinha expandindo a oferta do ensino público do nível primário. Em 1873, existiam 314 escolas públicas primárias para meninos e 197 para meninas, números muito superiores aos registrados pela iniciativa particular relativamente a esse nível de ensino.
Para melhorar a qualidade de instrução pública elementar passou-se a pensar seriamente em prover à formação de seus docentes com a criação de uma Escola Normal.
A disposição da administração pública provincial de investir em educação, e especialmente na instrução primária, recursos advindos do crescimento da Receita da Província já havia sido divulgada, nos seguintes termos, pelo Inspetor Geral da Instrução Pública, em seu Relatório de 1873:
“A elevação de sua receita orçada, que promete atingir em breve as alturas da segunda receita provincial do Império, o crescimento de sua indústria, o desenvolvimento de seu comércio, o aumento progressivo de sua lavoura, as vias de comunicação que se preparam e se estendem para todos os pontos da província, indicam que não é natural esse desequilíbrio entre o desenvolvimento moral e intelectual, e o desenvolvimento material dessa rica e importante parte do Império (…) O ensino público seria um auxiliar poderoso para os grandes cometimentos da Província, proporcionando maior soma de conhecimentos fazendo assim avultar os talentos e aptidões nas diversas órbitas de sua atividade.”
Entretanto, era especialmente do empenho da iniciativa privada, totalmente livre em sua atuação nos níveis primário e médio, e à qual fora também confiada, com exclusividade, a tarefa de prover à instrução secundária, que se esperava então a expansão e o aprimoramento do ensino.
Em trabalho encaminhado em 1875 à Exposição Industrial de Filadelfia, nos Estados Unidos, escrevia o médico paulista Joaquim Floriano de Godoy, então Senador do Império, que também integrara, em várias legislaturas, a Assembléia Legislativa Provincial, “Ao passo que as escolas oficiais não prosperam, as particulares caminham e desenvolvem-se visivelmente desde que a assembléia legislativa provincial proclamou a liberdade do ensino. É dessa data em diante que as aulas noturnas foram instaladas, as preleções públicas abertas, os colégios reorganizados sob bases mais amplas e bibliotecas fundadas (…) Se algum movimento de reação não vier entorpecer o brilhante caminho da instrução privada, é natural que esta província tome lugar, em pouco tempo, entre as mais civilizadas.”
Ainda na década de 70, assistir-se-ia em São Paulo a mais uma expres-siva demonstração da força política e do vigor das idéias liberais que postu-lavam a total liberdade do ensino. Com fundamento no Decreto de 19 de abril de 1879, do então Ministro dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho, também professor da Faculdade de Direito de São Paulo, tornara-se livre a freqüência dos alunos às aulas da Academia.
O Decreto Leôncio de Carvalho de 1879, não apenas instaurava a mais ampla liberdade de abrir escolas e cursos de todos os tipos e níveis, como previa , respeitados certos requisitos, a concessão aos particulares do direito de conferir graus acadêmicos e vantagens até então concedidos exclusivamente pelos estabelecimentos públicos.
Suspensas as disposições que dependiam de aprovação do legislativo, por acarretarem aumento de despesa ou por estarem sujeitas à competência daquele poder, só entraram em vigor em São Paulo, dentre as medidas relativas aos cursos superiores, a freqüência livre e os cursos livres, bem como a dispensa do juramento católico para a obtenção dos graus acadêmicos.
Sobre os reflexos da freqüência livre na vida da Faculdade de Direito de São Paulo, informa Almeida Júnior: “Despovoaram-se as bancadas. (…) Os rapazes vinham inscrever-se nos cursos (pois sem isso teriam que prestar exa-mes sobre o programa inteiro) mas, uma vez matriculados, voltavam para as fazendas, iam ocupar emprego no interior, tomavam o trem rumo à Corte ou o paquete com destino à Europa. A reforma fora para a juventude acadêmica o toque de debandar. A freqüência às aulas reduziu-se à metade, a um terço, e não raro (informam os relatórios) o lente deixava de prelecionar por não encontrar nenhum aluno na sala.” A freqüência obrigatória só seria restabelecida para os cursos jurídicos após o advento da República, em 1896.
A partir dos anos 70, com a rápida expansão da cultura cafeeira, a ex-tensão contínua dos trilhos da ferrovias que, desde 1867, ligavam a cidade de São Paulo a seu porto de mar e, em 1877, ao Rio de Janeiro pela Central do Brasil, e com a intensificação do processo migratório e suas conseqüências econômicas e sociais, já se haviam alterado consideravelmente o perfil da Província e as condições de vida na cidade de São Paulo, a qual, na década de 70, entre outros melhoramentos, passara a dispor do bonde com tração animal e de iluminação a gás, inaugurada em 1872. A população da Capital, contudo, ainda não crescera significativamente. Assim, de acordo com os dados censitários disponíveis, a Província de São Paulo contava, em 1872, com 873.354 habit-tantes, dos quais apenas 26.040 instalados na Capital.
Foi a partir de então, e especialmente nos anos finais do Império que, a par do extraordinário crescimento do processo migratório, registrou-se também significativa intensificação do processo de urbanização. Somente no período compreendido entre 1885 e 1889, entrariam em São Paulo 167.664 imigrantes estrangeiros, número que correspondia a quatro vezes o total de estrangeiros que até então haviam ingressado no território da Província. Às vésperas da República, a Província de São Paulo passaria a contar com mais de um milhão e duzentos mil habitantes, mas a população de sua Capital, embora houvesse crescido significativamente situava-se ainda em torno de 70.000 hábitantes
Nos anos setenta, na cidade de São Paulo, e também no interior da Pro-víncia, já se faziam sentir intensamente, em números e qualidade, os resultados da livre atuação da iniciativa privada. A expansão e o aprimoramento do ensino particular pareciam indicar que acertara o legislador de 1868 ao comsagrar a liberdade do ensino dos níveis primário e médio, e ao confiar o ensino secundário aos cuidados exclusivos da iniciativa privada.
A liberdade de atuação de particulares, independentemente da confissão religiosa das mantenedoras de escolas ou de suas crenças políticas, contava, por razões de princípio, com o decisivo apoio dos homens de idéias liberais que então, em São Paulo, em sua grande maioria, também reivindicavam o advento da República.
A total liberdade do ensino era igualmente apoiada por adeptos da doutrina positivista, como o regime mais adequado à fase de transição que precederia ao estado positivo e definitivo da humanidade. Ainda, em decorrência da influência moral que reconheciam à mulher, e à vista do papel que ela deveria desempenhar no processo de regeneração humana e na instalação do estado positivo, pediam os positivistas para o sexo feminino, com pequenas diferenças, a mesma educação destinada ao homem, embora rejeitassem a coe-ducação.
Analisemos agora, em seus traços principais, as instituições particulares de ensino existentes na Província e, em especial, na cidade de São Paulo, nas últimas décadas do Império.
Em sua quase totalidade, nos colégios então mantidos por Ordens Reli-giosas católicas ou por Igrejas Americanas de confissão protestante, os quais contavam , especialmente no caso destas últimas, com expressivo apoio fi- nanceiro das respectivas entidades mantenedoras, a par da instrução secundária foi também oferecido o ensino primário, com currículo mais rico que o das escolas públicas, em geral organizado em níveis. Tais colégios mediante bolsas custeadas pelas mantenedoras e, por vezes, com o auxílio de subvenções do poder público, também ofereciam gratuitamente a instrução primária a crianças pobres. Em alguns casos, como o dos Salesianos, que passaram a atuar em São Paulo na década de 80, evidenciou-se também, desde cedo, a preocupação com a formação profissional desses meninos.
Quanto aos estudos secundários, cuja oferta, no caso de colégio de meninos, destinava-se basicamente ao preparo para o ingresso nos cursos superiores, os mesmos continuaram a sofrer a influência dos exames parcelados de preparatórios. É o caso, por exemplo, do Colégio S.Luiz, mantido pelos Jesuítas, cujos Estatutos de 1867 indicavam a oferta de curso primário, estruturado em duas classes e do ensino secundário, restrito às disciplinas exigidas nos exames de ingresso aos cursos jurídicos, ministrados sob a forma de aulas avulsas. A capacidade dos alunos, informavam os Estatutos, regularia a freqüência a mais de uma aula e os compêndios indicados eram os adotados no Curso Anexo de preparatórios da Faculdade de Direito de São Paulo.
Já nos colégios secundários destinados ao sexo feminino, os quais esta-vam desobrigados de preparar para os estudos superiores ainda considerados impróprios à mulher, o ensino adquiriu feição própria, caracterizando-se pela importância atribuída às línguas modernas, às ciências, especialmente consi-deradas em suas aplicações práticas, aos estudos literários e às atividades ma-nuais próprias ao sexo.
Dentre os colégios femininos, destacaram-se, então, por suas propostas inovadoras, o Colégio Piracicabano , escola americana de confissão protes- tante, da Igreja Metodista que, desde as suas origens, em 1881, ofereceu ensino muito mais rico e diversificado que o da maioria dos colégios femininos de então, e o Colégio Pestana, da Capital, que iniciou suas atividades em 1876, organizado pelo republicano Francisco Rangel Pestana, com a colaboração de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Américo de Campos, José Rubino de Oliveira, Américo Brasiliense, João Kopke e Caetano de Campos. O amplo programa de estudos que se pretendia desenvolver, com apoio nos novos mé-todos de origem européia ou americana, teria a duração de 6 anos.
Em 1878, devido a dificuldades de ordem financeira, por não ter sido possível completar o necessário número de matrículas para manter o colégio, o curso foi reformulado. Ao lado de um curso geral de nível elementar, criaram-se cursos especiais das matérias que antes constituíam um todo orgânico desenvolvido em seis anos. Tais cursos foram oferecidos às alunas e a todas as senhoras que se interessassem por qualquer das matérias ensinadas, mediante o pagamento de 5$000, que dariam direito a 8 lições.
No nível elementar, além da introdução de novos métodos de ensino, deveu-se à iniciativa particular a implantação dos Jardins de Infância que chegaram a São Paulo por intermédio das escolas estrangeiras. O da Escola Americana funcionou desde 1877 e o Colégio Piracicabano instalou o seu Kindergarden em 1886
Como experiência inovadora e como mais um exemplo de atuação direta dos homens de idéias no campo da educação, é importante também registrar a Escola Primária Neutralidade, fundada em 1884 pelo positivista, o bacharel e jornalista Silva Jardim, e pelo também bacharel e educador por vocação, João Kopke. A escola consagrava o ensino leigo e ministrava a meninas, dos 7 aos 14 anos, as bases de uma formação enciclopédica: Língua Materna, Cálculo, Canto, Desenho, Francês, Espanhol e Inglês e “as ciências relativas ao mundo bruto, ao animado e ao social, na sua parte mais concreta.” Tudo isso, porém, – observavam os diretores, em Relatório endereçado às famílias dos alunos ao fim do ano letivo de 1884 – “ sem a preocupação especial dos exames, sem a rotina dos compêndio ditos clássicos, sem a dos pontos improvisados.”
Em conferências didáticas, que contaram com um auditório pequeno, mas constante, composto de senhoras, alunos da Escola Normal e do Liceu de Artes e Ofícios, os professores e diretores expuseram suas idéias sobre os processos de ensino adotados na escola.
De todas as escolas mantidas pela iniciativa privada nos anos setenta, a atuação inovadora da Escola Americana parece ter sido a que repercutiu mais amplamente na vida educacional da Província, não apenas pela rápida e intensa difusão , no meio educacional, de notícias sobre o seu trabalho, mas também, e principalmente, pelo apoio que ofereceu quando se cuidou da Escola Normal, nos anos finais do Império.
Observe-se, a propósito, que o sistema de ensino das Common Schools Americanas vinha, há já algum tempo, atraindo as atenções dos brasileiros preocupados com questões de educação. Atraente por suas práticas pedagó-gicas, o sistema americano seduzia os espíritos liberais também pelos princípios democráticos que o informavam. Recomendava enfaticamente o liberal Tavares Bastos, em sua obra A PROVÍNCIA: “Dispam-se dos prejuísos europeus os reformadores brasileiros: imitemos a América. A escola moderna, a escola sem espírito de seita, a escola comum, a escola mista, a escola livre, é obra da democracia do Novo Mundo.”
Evidenciando a enorme importância atribuída aos programas e métodos das escolas americanas, o Diário Oficial do Império, em 1871, publicava na íntegra o relatório de Hippeau sobre a instrução pública nos Estados Unidos.
Consta que a Escola Americana nasceu em 1870, com as aulas oferecidas a algumas crianças, em sua residência, pela esposa do Revdo. Chamberlain, da Igreja Presbiteriana. No ano seguinte, já com o nome de Escola Americana, as atividades desse núcleo inicial foram transferidas para a Rua de S. José, atual Libero Badaró. Em 1876, a escola mudou-se para prédio próprio, construído na esquina da Rua de S. João com a Rua do Ypiranga. Em registros relativos ao ano de 1878, consta o nome do jornalista Rangel Pestana entre os docentes da escola.
Contudo, foi somente a partir de 1884, quando Horácio Lane assumiu a direção da escola, e a instituição foi ampliada e reestruturada, que se consolidou a posição de relevo e liderança que a Escola Americana assumiu no panorama educacional da Província de São Paulo.
A escola contava com o Kindergarten e, em todos os níveis, praticava-se a coeducação de meninos e meninas. A instrução elementar era oferecida ao longo das três séries iniciais e fundava-se no então denominado método intuítivo ou lição de coisas. O programa do ensino secundário, igual para os dois sexos e ministrado em quatro séries, desenvolveu-se também de forma seriada, com apoio em novos métodos de ensino e de avaliação do rendimento escolar. No nível do quarto ano do curso secundário, eram oferecidos em classes diversas, dois currículos diferentes: um deles era basicamente constituído de disciplinas literárias; o outro, oferecido à opção dos alunos e que passou a ser denominado de curso normal, compreendia as seguintes matérias: Fisiologia e Higiene Escolar, Ciências Naturais, Pedagogia e Metodologia, Filosofia e História da Educação. Entretanto, o que distinguia a Escola Americana, em seu trabalho de formação de docentes, era a prática dos alunos segundo o princípio do ‘aprender fazendo’, na regência de classes primárias, sob a supervisão de um professor experiente, ou na recuperação de alunos que não acompanhas-sem asrespetivas turmas.
Dentre as atividades de ensino da iniciativa particular, é necessário ainda destacar, pelos traços que os diferenciam das exercidas em colégios e escolas, os cursos oferecidos pela Sociedade Propagadora de Instrução Popular, criada em fins de 1873, por iniciativa de Carlos Leôncio de Carvalho.
A Sociedade que era mantida com contribuições dos sócios, com ex-pressivas doações de particulares e, esporadicamente, com subsídios do Go-verno, oferecia a alunos de ambos os sexos, além do ensino elementar gratuito, em cursos noturnos, material escolar como papel, tinta e pena, e até mesmo, quando necessário, atendimento médico gratuito e medicamentos.
Já nos primeiros anos de funcionamento, o curso primário teve mais de 100 alunos matriculados; no biênio seguinte um total de 422 e, nos primeiros nove anos de funcionamento registrou um total de mais de 800 alunos freqüentes.
Das atividades dessa Associação, que também passou a oferecer aulas secundárias noturnas abertas ao público, conferências e preleções educativas e uma Biblioteca aberta a todos, também no período noturno, das 16 às 21 horas, participaram graciosamente nomes ilustres da vida política e cultural da Província, dentre os quais, Carlos Leôncio de Carvalho, que presidiu a Sociedade desde as origens até o advento da República, Américo de Campos, Luiz Pereira Barreto e Caetano de Campos que, além da realização de palestras e conferências, também prestou atendimento médico gratuito a alunos do curso elementar, quando necessário. Rangel Pestana integrou o quadro docente do Liceu de Artes e Ofícios criado em 1882, instituição especialmente voltada para a formação profissional, e que resultou de ampla reorganização da escola noturna implantada em 1874.
Em seus primeiros tempos, a Sociedade Propagadora da Instrução Popular contou com expressivo apoio da Loja Maçônica América, que também mantinha cursos noturnos e biblioteca aberta ao público, e à qual se vinculavam então Américo de Campos e Luiz Gama.
Nos anos finais do Império, a iniciativa particular vinha cumprindo o papel que lhe fora atribuído. Quanto ao poder público, Gabriel Prestes, referindo-se aos problemas com que ainda se defrontava o ensino primário no alvorecer da República, afirmava que os dois principais problemas do novo regime eram ainda o de “elevar o nível das escolas e o de multiplicá-las.” O trabalho escolar nas escolas públicas, nos termos do seu depoimento, reduzia-se ainda “a um péssimo ensino de leitura e escrita pelos processos rudimentares, a uma cruel decoração de tabuadas, regras de gramática mal recitadas e compreendidas e a uns mesquinhos elementos de geografia.”
Com a liberação da iniciativa privada nos dois primeiros níveis do ensino e a desoficialização do secundário em 1868, pretendera o governo provincial investir na oferta da educação popular os recursos de que então passaria a dispor, com vistas a sua expansão e a seu aprimoramento. Compreendia-se que a necessária expansão do ensino oferecido pelo poder público, cuja oferta se tornara obrigatória nas vilas e cidades da Província a partir de 1874, estava a exigir que o poder público estadual passasse a prover adequadamente à formação de seus docentes. Com esse objetivo, a lei de 1874, que instituíra a obrigatoriedade do ensino primário, também criara uma nova Escola Normal. Contudo, a Escola Normal instalada em 1875, fora desativada três anos depois, em 1878. Assim, foi somente em 1881, que a Escola Normal reestruturada nos termos de Regulamento aprovado em 1880, voltou a funcionar com evidentes aperfeiçoamentos: curso de três anos aberto aos dois sexos, currículo mais amplo, do qual passou a constar a disciplina Pedagogia e Metodologia, com previsão de instalação de laboratórios e de uma Biblioteca, e com a compra de livros no exterior. A formação propriamente pedagógica, entretanto, reduzia-se ainda à disciplina Pedagogia e Metodologia, tendo em vista que não foi prevista a utilização das escolas primárias anexas à Normal, para a prática docente.
Nos últimos tempos do Império, voltaram a ser intensamente estudadas e debatidas questões relacionadas com o ensino normal, dentre as quais e es-pecialmente, a da prática de ensino, e o aproveitamento, para esse fim, das escolas primárias anexas à Normal.
Explica-se assim a posição de relevo que a questão do ensino normal assumiu em São Paulo nas primeiras reformas realizadas logo após o advento da República, já que foram os homens do Império os primeiros reformadores do ensino no novo regime.
Sobre esses esforços registrados no sentido do aprimoramento da edu-cação pública primária e normal logo após o advento da República, observa Fernando de Azevedo: Desde 1890 (…) entra a escola de formação de pro-fessores primários em uma nova fase – uma das mais brilhantes de sua história – sob a orientação de Antônio Caetano de Campos, assistido no seu esforço inovador por Maria Guilhermina Loureiro de Andrade e Miss Marcia Brown, “que haviam sido indicadas pelo doutor Horácio Lane, da Escola Americana, para colaborarem com Caetano de Campos na direção das Escolas Anexas.”
Nos anos subseqüentes, o ensino normal passou por várias mudanças com vistas a seu aprimoramento. Por sua vez, o ensino primário que, até o fim do Império, fora oferecido exclusivamente em escolas isoladas, enriqueceu-se com a criação dos Grupos Escolares em l894, cuja organização administrativo-pedagógica em séries, visando à gradação do ensino e à homogeneização das classes, inspirava-se no modelo das escolas graduadas americanas, já experimentado por Caetano de Campos nas Escolas Anexas.
No mesmo ano de 1894, c Curso Normal instalou-se no prédio magnífico, projetado por Paula Souza e Ramos de Azevedo, e construído na Praça da República, o qual deveria também abrigar o Jardim da Infância, a Escola modelo “Caetano de Campos”, e o Curso Complementar Profissional posteriormente denominado Escola Normal Primária.
Contudo, já nos primeiros tempos da República, em decorrência do crescimento vertiginoso da população do Estado, que de 2 milhões e trezentos mil habitantes em 1900, atingira em 1920 o total de 4 milhões e seiscentos mil almas; do extraordinário incremento de imigração; da necessidade de atendimento às demandas decorrentes do crescimento e da diversificação da economia, bem como da posição de relevo que o Estado assumira no seio da comunidade nacional nos planos econòmico e político, ampliaram-se e diversificaram-se em São Paulo as questões a serem enfrentadas pelo Estado no campo da educação. Assim, já na década de 90, foram criadas em São Paulo, entre outras instituições voltadas para o ensino e a pesquisa, o Instituto Bacteriológico, em l892, a Escola Politécnica, em 1893, a Escola de Engenharia do Mackenzie College, em 1896, o Instituto Butantâ, em 1899.
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