Artigo – Currículo Escolar: A Tentação Legisladora e Seus Limites

por Francisco José Carbonari
A inclusão de novas disciplinas nos currículos escolares tem se tornado uma constante no trabalho de parlamentares brasileiros. Tanto o Congresso Nacional quanto a Assembleia Legislativa de São Paulo têm demonstrado especial empenho em apresentar projetos de lei que acrescentem conteúdos às escolas como resposta a desafios sociais diversos.
Um exemplo recente é o Projeto de Lei 592/2025, de autoria do senador Jader Barbalho, que propõe a inclusão da disciplina de educação alimentar e nutricional na educação infantil e no ensino fundamental. O objetivo declarado é “combater os altos índices de obesidade entre crianças e adolescentes, promovendo hábitos alimentares saudáveis desde a infância.”
Em 2023, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que inclui Educação Política e Direitos da Cidadania como componentes curriculares obrigatórios para o ensino fundamental e médio. O senador Romário, por sua vez, apresentou proposta que torna o ensino de Direito Constitucional obrigatório, incluindo “conteúdos específicos sobre os direitos das crianças e adolescentes, com a garantia de material didático apropriado”.
Também chama atenção o projeto do deputado federal Lobbe Neto, que visa introduzir educação financeira nos currículos da 5ª à 8ª série do ensino fundamental e em todo o ensino médio.
Essas propostas são apenas uma amostra das centenas de iniciativas legislativas que tramitam atualmente. O cardápio de novas disciplinas é extenso e variado: esperanto, regras de trânsito, meio ambiente, robótica, direitos do consumidor, cultura da paz, cidadania, educação moral e cívica, entre outras.
No âmbito estadual, o cenário é similar. A Assembleia Legislativa de São Paulo discute mais de 30 projetos com o mesmo objetivo. Entre eles, destacam-se a inclusão da disciplina Iniciação ao Turismo, o retorno da Educação Moral e Cívica, e a recente aprovação de um projeto que determina o ensino de robótica e programação com carga horária semanal de 50 minutos nas escolas públicas.
Essas propostas partem de uma premissa recorrente: a crença de que os problemas que a sociedade enfrenta podem ser resolvidos, ou ao menos mitigados, com a simples criação de uma lei que os transforme em conteúdos escolares. A lógica implícita parece ser a de que a escola é capaz de curar os males que nos afligem apenas com a introdução de mais uma disciplina.
Sem discutir o mérito dos temas em si — muitos dos quais merecem atenção — há uma questão prática incontornável: o currículo escolar já está saturado. A carga horária é limitada, e a inserção de novos conteúdos inevitavelmente exigiria a exclusão ou redução de outros. No entanto, quando se fala em retirar algo do currículo, surgem resistências e revoltas. O debate se torna emocional e politizado, em vez de técnico e pedagógico.
Além disso, vale lembrar que a definição do currículo não é competência direta de deputados ou senadores. Essa função cabe às instituições educacionais, a partir de seus projetos pedagógicos, e deve seguir as diretrizes estabelecidas por leis gerais e pelos Conselhos de Educação. A interferência legislativa excessiva cria instabilidade, incerteza e pressiona ainda mais um sistema já sobrecarregado.
Felizmente, a maioria desses projetos não chega a ser aprovada. No entanto, sua simples existência já provoca expectativa nas comunidades escolares e, muitas vezes, confusão na interpretação de diretrizes curriculares.
É essencial que os formuladores de políticas públicas resistam à tentação de usar a escola como panaceia para todos os males da sociedade. É preciso respeitar os limites da educação formal e valorizar o currículo como instrumento planejado, construído com base em fundamentos pedagógicos e não como reflexo de modismos políticos ou de agendas eleitorais.
A escola deve, sim, preparar cidadãos críticos e bem informados. Mas isso se faz com qualidade, profundidade e coerência, não com uma lista interminável de disciplinas avulsas criadas por força de lei.