Artigo – Desafios da IA nas escolas brasileiras

por Nacim Walter Chieco
Recentemente, em 29 e 30 de maio de 2025, o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) promoveu evento no auditório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), tendo como convidados, entre outros, a Academia Paulista de Educação, da qual faço parte. Nessa ocasião, tive o privilégio de assistir a uma lúcida, pedagógica e instigante palestra sobre Inteligência Artificial (IA) em educação proferida pelo professor Seiji Isotani, renomado especialista nessa área em âmbito nacional e internacional. Aprecio muito apresentações que me estimulam a refletir, aprofundar e, eventualmente, dizer algo, sem qualquer pretensão de esgotar o tema. Neste caso, manifesto-me do ponto de observação de educador e ex-conselheiro de educação em São Paulo.
Destaco da fala do professor Isotani, o levantamento sobre a disponibilidade de dois elementos de infraestrutura de IA nas escolas brasileiras: celulares e acesso à internet. Praticamente, cem por cento dos alunos da educação básica no Brasil dispõem de aparelho celular. Quanto à internet, porém, estamos em situação muito precária, com menos de 50% de conectividade, e projeção de muito longo prazo para o alcance dos 100%. Outro fato relatado pelo professor Isotani foi o êxito obtido na criação e aplicação experimental de dois aplicativos de IA, um de redação e outro de operações simples de matemática, em diferentes regiões do país. Bons resultados e boa aceitação por docentes e alunos.
Em seguida, o palestrante aborda cinco condições básicas para a implementação de IA nas escolas brasileiras: a conformidade com a estrutura disponível; o predomínio da desconexão à internet; os intermediários entre a criação de IA e a chegada ao aluno; o multiuso ou compartilhamento dos recursos; e o requerimento de poucas habilidades digitais adicionais.
Em conclusão, o professor Isotani afirma que “precisamos repensar de forma radical como projetamos, implementamos e avaliamos as tecnologias de IA para educação”.
No debate, o conselheiro Felipe Michel Braga, atual presidente do Foncede, formulou duas questões essenciais, que subscrevo e sintetizo, sobre o tema da palestra. Primeiro, como conciliar a IA com a proibição dos celulares nas escolas brasileiras? O professor Isotani, em resposta, enfatizou a situação reinante de desconexão da internet e que a abertura legal de emprego pedagógico de celulares deve levar esse fato em conta. Ou seja, as soluções de IA nas escolas devem caminhar para o uso em redes internas sem necessidade de internet. Outra questão ainda em aberto, com vários projetos tramitando no Congresso Nacional e mesmo lides no Supremo Tribunal Federal, se refere à regulação da IA. Nesse ponto, o professor Isotani, diplomaticamente, discorreu sobre as vantagens e desvantagens sobre o livre uso e o controle público da IA em geral. Trata-se de impasse difícil de ser resolvido, mesmo porque qualquer regulação estará, em breve, superada por avanços tecnológicos cada vez mais rápidos e frequentes. Em princípio, advoga o uso responsável de IA em educação.
Faço a seguir duas constatações e algumas considerações sobre a presença da IA nas nossas escolas.
Podemos, com boa margem de segurança, afirmar que a IA é fato consumado, irreversível e com fortes sinais de se tornar uma tecnologia dominante, tanto quanto a própria internet e os celulares. E as escolas não poderão ficar à margem desse novo cenário. A IA pode proporcionar relevante apoio ao processo pedagógico, desde que responsavelmente produzida e implementada, observadas aquelas apontadas condições básicas. Enfatizo o primordial e indispensável papel do docente no emprego da IA, juntamente com outros recursos didáticos. Não se trata, pois, de abolir nem mesmo abalar o primado constitucional do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. A IA pode e deve conviver com outras tecnologias educacionais, sob a batuta de docentes adequadamente preparados para o emprego responsável de tal inovação.
Também com certa margem de segurança, podemos assegurar que a proibição legal de uso pessoal e não pedagógico de celulares pelos alunos nas escolas é medida irreversível, demandada e acolhida pela sociedade. Torna-se imperativa, portanto, aquela advertência do professor Isotani de mudança radical nos projetos de IA nas escolas. Ou seja, é preciso sempre ter presente a infraestrutura disponível, bem como as diretrizes e regras estabelecidas sobre currículos e funcionamento das escolas.
Quanto à presente celeuma de regulação da IA, das redes e das grandes corporações digitais, não se vislumbra uma saída fácil e consensual. A partir do alerta do professor Isotani, tomaria a liberdade de propor um projeto de lei, segundo o irreverente molde do historiador cearense Capistrano de Abreu:
Art. 1° É livre o uso responsável da IA nas escolas brasileiras.
Art. 2° Revogam-se as disposições em contrário.
São Paulo, junho de 2025
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Nacim Walter Chieco é Membro da Academia Paulista de Educação e ex-presidente dos Conselhos Estadual e Municipal de Educação de São Paulo