Artigo – O Eterno Debate da Reprovação Escolar: o retrocesso volta à discussão

Francisco Carbonari
Em conferência proferida em 1956, o professor Almeida Júnior, recém-chegado de um encontro da UNESCO, comentava o enfrentamento da repetência adotada por alguns países europeus. Referindo-se à prática inglesa de promoção automática, afirmou:“Receávamos que o preconício puro e simples da promoção automática, tal como a pratica a Inglaterra, produzisse no Brasil maior alarme do que o causado pela Proclamação da República.”
Quase sete décadas depois, o comentáriopermanece atual. Recentemente, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que proíbe a chamada “promoção automática” de alunos do ensino fundamental e médio. O texto determina que só poderá passar de ano quem atingir nota mínima, além de vedar a organização da educação básica em ciclos de mais de um ano.
Retorna à cena, a velha crença de que a má qualidade do ensino brasileiro está diretamente relacionada à impossibilidade de reprovar alunos. A progressão continuada volta a ocupar o lugar de vilã dos baixos índices de aprendizagem.
O argumento simplista ignora a literatura produzida e a experiência internacional acumulada sobe o tema . A ideia de que o aluno que não aprendeu deva repetir o ano para recuperar o conteúdo perdido não resiste aos dados. Repetência, ao contrário do que se pensa, não corrige defasagens: ela as aprofunda. Alunos reprovados tendem a apresentar maior evasão, desmotivação e dificuldade de reinserção escolar.
Nos países que lideram o ranking do PISA — como Finlândia, Canadá e Japão — o conceito de “reprovar” praticamente não existe. O foco está no acompanhamento contínuo, na identificação precoce das dificuldades e em intervenções pedagógicas individualizadas. Reprovar alunos como forma de corrigir falhas estruturais do sistema é, no mínimo, transferir a responsabilidade da escola para o estudante.
No Brasil, a progressão continuada — uma política educacional baseada na lógica da aprendizagem ao longo do tempo, com apoio contínuo — ainda é vista com desconfiança, mesmo com décadas de evidências a seu favor. Combater a evasão, melhorar a qualidade do ensino e promover a equidade exige justamente o oposto do que propõe o projeto de lei. Não é mais aprovação que prejudica a qualidade de ensino, mas a falta de condições concretas para que se aprenda.
Está mais do que na hora de superar o discurso reducionista que associa qualidade à repetência. A educação brasileira não fracassa porque aprova demais, mas porque ainda oferece menos política pública comprometida com a aprendizagem real.
Assumir a progressão continuada como parte de uma estratégia de qualidade e equidade não nos isola — ao contrário, nos coloca ao lado de sistemas educacionais bem-sucedidos.