Discurso de posse da Acadêmica Maria Helena Guimarães de Castro – Data 9 de abril de 2015
Excelentíssimo senhor professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, digníssimo presidente da Academia Paulista de Educação.
Ilustres acadêmicos, autoridades presentes, minha família, caros amigos e amigas.
Em nome dos acadêmicos Flavio Fava de Moraes e Sonia Penin, saúdo todos os confrades e confreiras.
Saúdo os colegas do Conselho Estadual de Educação, em nome de nosso presidente Francisco Carbonari.
Quero inicialmente agradecer à Academia Paulista de Educação pela honra e oportunidade de ter sido escolhida para participar dessa nobre instituição, fundada em 1970 por um grupo de ilustres educadores. Estou realmente emocionada e grata pela oportunidade de compartilhar com todos os colegas acadêmicos nossos ideais de luta permanente pela melhoria da educação paulista e brasileira.
Meu agradecimento muito especial às palavras do acadêmico João Palma Filho – meu colega no Conselho Estadual de Educação, conhecido por sua dedicação à educação pública, que me indicou para a Academia e generosamente saudou-me falando dos caminhos que percorri. Não foi uma trajetória fácil e só foi possível porque sempre tive o apoio de pessoas que me ajudaram a enfrentar desafios e incentivaram meu desenvolvimento profissional.
Destaco especialmente meu grande mestre Paulo Renato Souza, que me antecedeu nesta cadeira e foi, sem duvida, grande responsável pela minha carreira na vida pública. Nesse sentido, sou profundamente grata ao presidente Fernando Henrique Cardoso e aos governadores José Serra e Geraldo Alckmin pelas oportunidades que me proporcionaram.
Meu agradecimento a todos que trabalharam comigo na universidade e nos órgãos públicos por onde passei, equipes e profissionais com quem aprendi muito. Um agradecimento especial aos amigos que me ensinaram a entender melhor a complexidade da educação e das políticas públicas. Foram muitos. E, correndo o risco de ser omissa, não posso deixar de mencionar alguns colegas de trabalho que sempre me inspiraram: Eunice Durham, Maria Ines Fini, Iara Prado, Guiomar Namo de Mello, Mariza Abreu, Gilda Portugal Gouvêa, Barjas Negri e Haroldo Torres. Meus professores Simon Schwartzman, Vilmar Faria, Sonia Draibe e Maria Hermínia Tavares de Almeida.
Meu agradecimento à equipe da Fundação Seade por todo o apoio.
Alguns já disseram que a Academia funciona como uma tocha olímpica. Ao passar os diplomas de uns para outros, seus membros mostram a continuidade do respeito às realizações que constroem a história educacional do país. Como não sentir a emoção que este ato provoca, ao saber que ocuparei a cadeira n. 33, cujo patrono é o eminente educador Manoel Lourenço Filho e meu antecessor é o grande ministro Paulo Renato Souza?
Manoel Lourenço Filho
Considero enorme responsabilidade assumir a cadeira n. 33, cuja dimensão é dada pelo seu patrono Manoel Bergströn Lourenço Filho que, ao lado de Anísio Teixeira e Fernando Azevedo, foi um dos principais protagonistas do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
Comprometido com o movimento de reconstrução da sociedade por meio da educação, Lourenço Filho foi um verdadeiro militante do movimento que rompeu com a concepção elitista da “escola tradicional” e deu início à batalha pela educação pública, gratuita, laica e obrigatória. Graduou-se na Escola Normal Secundarista de São Paulo, em 1919. Ao longo de sua carreira, assumiu posições de destaque em vários governos e produziu estudos de grande relevância sobre a educação brasileira. Como diretor geral de Instrução Pública, coordenou as reformas educacionais nos estados do Ceará (1922) e São Paulo (1930). Organizou cursos de formação de professores que foram referência no Brasil, como os da Escola Normal de São Paulo e de Piracicaba. Publicou diversos livros, inclusive de literatura infantil.
Dirigiu o Instituto de Educação do Distrito Federal (1932) e foi presidente da Associação Brasileira de Educação-Nacional (1934). Em 1938, assumiu a direção e organização do Inep – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, onde permaneceu até 1946, dedicando-se ao levantamento de estatísticas e análises empíricas detalhadas sobre a educação brasileira. Mais tarde, dirigiu a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, a RBEP, referência na produção acadêmica.
Lourenço Filho foi acima de tudo um inovador. Nos seus trabalhos de pesquisa, entre 1915 e 1922, publicou estudos na área da Psicologia em que a criança é o foco principal. Já naquela época, ele destacava a importância da leitura na formação da criança e defendia a implantação da pré-escola como passo inicial no processo de superação das desigualdades. Também inovou na gestão administrativa. Quando em 1922 realizou a Reforma da Instrução Pública do Ceará, Lourenço Filho adotou medidas para que todas as crianças frequentassem a escola e determinou a obrigatoriedade escolar dos 7 aos 12 anos, sob pena de prisão aos responsáveis.
Nas décadas de 1930 e 1940, as atividades de Lourenço Filho concentraram-se nos levantamentos e análises das estatísticas oficiais. Poucos intelectuais na época dedicavam-se ao estudo de dados quantitativos e de seu significado como instrumento de condução das políticas públicas. À frente do Inep, em seus primeiros anos de funcionamento, Lourenço Filho coordenou a sistematização das informações acerca da organização do ensino nas diferentes unidades da Federação. Ele dizia que antes de 1930 não possuíamos “nem mesmo a estatística elementar, simples contagem de escolas e alunos, em dados fidedignos”. Sempre mencionava a experiência de São Paulo, que, em 1920, havia realizado o censo escolar e, a partir dos seus resultados, redefinido o planejamento e a política educacional do estado.
No artigo “Estatística e educação”, de 1940, Lourenço Filho discorre sobre a articulação entre a estatística e seu papel na organização do Estado e na condução das políticas públicas. Nas palavras do autor:
“A educação é, antes de tudo, um fato de ação coletiva, pois que resulta da influência da comunidade sobre as novas gerações. É certo que podemos apreciar os seus efeitos num só e determinado indivíduo. Nem por isso, o caráter social da educação desaparece”. E mais adiante ele afirma: “Todo problema social e político se apresenta, em sua origem, como um problema de massa. Portanto, como um problema a que a estatística deve servir primeiro na sua descrição e na sua caracterização, depois na sua interpretação. E, se dessa interpretação, resultar a conclusão de interdependência dos fatos, a estatística passa a fornecer também os elementos de mais sadia e justa direção dos grupos sociais ou dos povos”.
Paulo Renato Souza
Em grande medida, a mesma preocupação de Lourenço Filho em organizar informações confiáveis para formular políticas públicas e tomar decisões foi uma das marcas centrais da atuação de Paulo Renato em sua impressionante trajetória profissional. Tive a honra de trabalhar com ele nos seus oito anos como ministro de Educação e participar deste processo ocupando diferentes cargos. Mas foi como presidente do Inep que pude conhecer melhor suas qualidades e aprender com ele. Economista com perfil executivo, o ministro preocupava-se em tomar decisões orientadas por indicadores, metas e resultados. Sentia-se, como costumava dizer, um comandante pilotando um boeing sem nenhum instrumento de navegação. E, logo no início de sua gestão, definiu a organização do sistema de informação e avaliação educacional como mecanismo estratégico para subsidiar a formulação de políticas e monitorar ações.
Paulo Renato foi antes de tudo um homem público exemplar. De espírito agregador, bem-humorado, sempre entusiasmado com novas ideias e projetos, ele tinha especial vocação para lidar com pessoas, dialogar e ouvir sua equipe em todos os momentos. Deixou um grande legado como professor de Economia e reitor da Unicamp, secretário de Educação de São Paulo nos governos de Franco Montoro e de José Serra e ministro de Educação nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.
Alguns já disseram que a história da educação no Brasil divide-se em duas partes: antes e depois de sua gestão como ministro de Educação. De fato, temas ausentes da política educacional brasileira, como as desigualdades do sistema de financiamento da educação básica e a completa inexistência de informações sobre o desempenho dos alunos e sistemas de ensino, entraram definitivamente para a agenda de políticas públicas após sua passagem pelo MEC.
Sob a sua liderança, foi aprovada a nova LDB, em 1996, com inovações que mudaram profundamente a organização do nosso sistema educacional. Foi criado o Fundef, que revolucionou o sistema de financiamento do ensino fundamental, garantindo a universalização do acesso à escola a todas as crianças e jovens de 7 a 14 anos. Entre outras iniciativas de sua gestão, destaco: a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para todos os níveis de ensino; a implantação do programa Bolsa-Escola; a avaliação do Programa Nacional do Livro Didático; a criação do programa Dinheiro Direto na Escola; a reforma dos ensinos médio e técnico; e as Diretrizes Nacionais de Formação de Professores. Foram medidas que transformaram a educação brasileira e deram um novo rumo à atuação do MEC.
Mas, provavelmente, a implantação do Sistema Nacional de Informação e Avaliação Educacional foi a mais polêmica de suas iniciativas, a que enfrentou maior resistência e influenciou diretamente o debate sobre os novos desafios da educação. Obcecado por informações quantitativas e qualitativas que orientassem suas decisões e permitissem ao MEC exercer seu papel de coordenação das políticas educacionais, o ministro deu prioridade à organização de um abrangente sistema de informação e avaliação educacional: reformulação do Saeb, em 1995, sistema até hoje em vigor, que serviu de base para implantação da Prova Brasil em 2005; implantação do Provão para avaliar o ensino superior, posteriormente substituído pelo Enade; a criação do Enem, em 1998, para avaliar egressos do ensino médio e a participação do Brasil em avaliações internacionais, como o PISA. A avaliação e a atualização anual das estatísticas educacionais foram medidas que mudaram radicalmente o papel do MEC na sua função de coordenador e regulador das políticas educacionais.
Em 2009, Paulo Renato me sucedeu como titular da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo no governo José Serra. Novamente demonstrou seu caráter de verdadeiro gestor público ao dar continuidade às políticas iniciadas na minha gestão, como a implantação da base curricular unificada e do Idesp, a gestão por resultado e a valorização do mérito como alguns dos pilares da educação de qualidade para todos.
Seu grande legado foi criar as condições para o avanço de um conjunto de iniciativas que gradativamente vêm transformando a educação brasileira.
Amigos e amigas,
Nos últimos anos, os progressos tecnológico, econômico, social, cultural e político conduziram a uma realidade em que os desafios a serem enfrentados são de uma nova natureza. Vivemos um mundo novo, a sociedade em rede de comunicação, com múltiplas conexões, novas formas de organização e participação social, avanços extraordinários da ciência e da pesquisa básica.
Nada disso, entretanto, teria ocorrido sem a ampliação da educação básica, que serviu como uma atmosfera geral para a melhor sinergia de todos esses processos. O novo, realmente, no caso do desenvolvimento social e econômico do Brasil após a Constituição de 1988, foi o princípio da educação básica como um direito de todos.
Mas se avançamos nos últimos anos em relação ao acesso e à inclusão de segmentos sociais historicamente negligenciados, permanece o desafio de melhorar a qualidade da escola pública e a equidade do sistema. Hoje não existe possibilidade de um país avançar sem garantir educação de qualidade para todos. E isso é fácil de dizer, difícil de fazer. E vale também para a educação paulista, uma das melhores do país, mas ainda distante dos ideais de qualidade e equidade almejados.
O mundo mudou, a educação precisa mudar. Entender e enfrentar os novos desafios, ter coragem de definir prioridades e fazer escolhas é nossa missão como educadores neste momento de elaboração do Plano Estadual de Educação diante das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação aprovado em 2014. Entre elas, o principal desafio é assegurar a qualidade do aprendizado de todas as crianças e jovens, o que só será possível com políticas de formação e valorização da carreira dos professores e currículos mais conectados com o mundo em que vivemos.
Nossa democracia enfrenta novos desafios, novos atores sociais entram em cena, aumento das demandas, pressões de toda a ordem sobre o Estado e questionamento da efetividade dos serviços públicos. O fortalecimento da educação como valor, o compromisso com a ética e com a maior qualidade e equidade do sistema educacional são desafios que devem nos mobilizar permanentemente. É nosso dever dar respostas à demanda crescente por mais transparência das ações públicas.
A boa notícia é a nova percepção da importância da educação na sociedade brasileira. Todos os setores da sociedade – empresários, trabalhadores, entidades da sociedade civil, meios de comunicação – estão atentos ao que ocorre na educação. Há uma atitude mais reivindicatória; os resultados são claramente exigidos e desculpas por eventuais fracassos não são facilmente aceitas.
Para as autoridades educacionais, as novas demandas tornaram-se mais fáceis e mais difíceis. Mais difíceis porque a cobrança por resultados é maior e mais intensa. Mais fácil porque agora temos toda a sociedade como aliada potencial para a tomada de decisões importantes que podem – e devem – beneficiar o conjunto da população em detrimento de eventuais interesses específicos das corporações.
Em outras palavras, devido a um conjunto de fatores de ordem social, econômica, política e cultural, o avanço da escolaridade dos filhos passou a fazer parte da prioridade das famílias brasileiras, de todos os níveis de renda. E o futuro dependerá da nossa capacidade de oferecer educação de qualidade para todos e democratizar o acesso ao conhecimento para o conjunto da população. A melhor maneira de diminuir a desigualdade e melhorar a distribuição de renda no mundo atual é por meio da educação. O resto é ilusão. Mais e melhor educação significa mais saúde, mais desenvolvimento, mais qualidade de vida, mais acesso a bens culturais, mais democracia e mais felicidade.
Prezados colegas acadêmicos,
Ao encerrar, gostaria de agradecer o empenho do presidente da Academia, o ilustre professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, na preparação desta cerimônia e coordenação dos seus trabalhos.
Agradeço a generosidade do CIEE na preparação desta bela festa de homenagem.
Por fim, gostaria de expressar o profundo reconhecimento à minha família, que sempre apoiou minha luta pela educação: meu marido Aluizio e meus filhos Eduardo, Patricia e Aluizio Filho, que, além de muitas alegrias, já me deram três casais de netos maravilhosos: Rafael e Manuela, Gustavo e Isadora, Thiago e Helena.
Agradeço a presença de todos!
Muito obrigada!