Discurso de Posse do acadêmico Nacim Walter Chieco
ISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA PAULISTA DE EDUCAÇÃO
Em 19 de abril de 2004, no Centro do Professorado Paulista
Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação, Professor João Gualberto de Carvalho Meneses,
Senhores Acadêmicos,
Senhoras e Senhores.
Em fins de 2003, senti-me lisonjeado e um tanto surpreso com a notícia que me foi dada pelo professor João Gualberto de que, com a minha anuência, eu seria indicado para ocupar uma vaga nesta prestigiosa Academia. Após os procedimentos regimentais e a devida aprovação do colegiado, em 10 de dezembro recebi ofício comunicando-me que havia sido eleito para ocupar a cadeira número 8, cujo patrono é Sud Mennucci. Cadeira essa ocupada anteriormente pela acadêmica professora Noêmia Saraiva de Matos Cruz, integrante do grupo de educadores idealistas que em 1970 fundou a Academia.
Até então, ofuscado pela honraria, não havia atinado com a extensão e o quilate das responsabilidades inerentes à condição de acadêmico, a começar pela posse, quando devo falar e exaltar os nomes do patrono e da minha antecessora. Tentarei dar cabo dessa tarefa da melhor maneira que me for possível, contando, desde logo, com a especial compreensão de todos para os defeitos de formulação, inteiramente atribuíveis a mim.
Quero, em primeiro lugar, deixar consignado o meu profundo agradecimento aos que assumiram o encargo de subscrever a minha indicação: os acadêmicos, mestres e amigos João Gualberto, José Augusto Dias e o inesquecível José Mário Pires Azanha. Uma vez mais, pois não é a primeira, sou agraciado com a extrema confiança e consideração de vocês. Procurarei fazer de tudo para não decepcioná-los, ou seja, prometo continuar a luta pela educação, buscando aproveitar e, ao mesmo tempo, engrandecer o cenário e os propósitos da Academia.
Permitam-me abordar alguns fatos, nomes e coincidências que considero relevantes na minha trajetória pessoal e profissional como aluno, professor e participante do debate sobre políticas, diretrizes e projetos educacionais. Como já foi dito, fiz o curso primário no saudoso Grupo Escolar de Iáras. Conto com o testemunho do professor João Gualberto para confirmar a existência desse lugar, pois quando Diretor da região educacional de Bauru lá esteve em visita funcional. Trata-se, originalmente, de um núcleo colonial, fundado no início do século XX, para acolher famílias de imigrantes de diferentes nacionalidades. Limita-se com Cerqueira César, Águas de Santa Bárbara, Avaré, Lencóis Paulista, Agudos e Borebi. É banhado pelo Rio Pardo, que, a jusante, passa por Santa Cruz e desemboca no Paranapanema em Ourinhos. Sou da segunda geração de filhos desses imigrantes, nascidos no Brasil. Tenho fortes razões para defender a miscigenação racial, pois descendo de italianos, libaneses, austríacos e brasileiros de linhagem cabocla. Tenho muito orgulho da minha origem, tanto do local quanto do povo.
No final da década de 50, conclui o curso ginasial em Cerqueira César e iniciei o Normal que vim a concluir em Lins. Em 64, ano sempre lembrado por todos os brasileiros pela chamada revolução de 31 de março, vim para São Paulo e comecei a exercer o magistério na rede pública estadual. Em 66, ingressei no Senai, como professor de aulas gerais na Escola da Mooca. Nessa instituição, que pode ser considerada uma ilha de excelência no cenário educacional brasileiro, iniciei a minha carreira na educação profissional.
Aqui começam algumas coincidências que contribuíram para consolidar o sentido e o rumo da minha carreira. Dirigia o Senai, à época, o ilustre educador Carlos Pasquale, conhecido por todos como autor da lei do salário-educação. Posteriormente, assumiu a direção do Senai outro eminente educador, Paulo Ernesto Tolle. Devo ao doutor Tolle, que é como o chamávamos no Senai, a primeira de uma série de oportunidades, a começar com a designação para dirigir a mesma Escola em que havia ingressado. Depois disso ocupei vários outros cargos e, em 1989, fui indicado para representar o Senai no Conselho Estadual de Educação. Lembro-me bem da ocasião em que o professor Jair de Morais Neves, respeitado educador de larga experiência nas redes públicas estadual e municipal de São Paulo, colaborador direto do doutor Tolle, me chamou para comunicar-me a indicação para o Conselho. Acontece que a indicação era apenas o primeiro passo. Acabei sendo nomeado, graças ao empenho dos conselheiros Jorge Nagle, então presidente do Conselho, e Francisco Aparecido Cordão, com quem vinha trabalhando intensamente no projeto de LDB, particularmente no capítulo da educação profissional. Não posso deixar de mencionar o apoio do saudoso mestre José Mário Pires Azanha, como um dos avalistas para o meu ingresso no mais alto colegiado de educação de São Paulo.
No Conselho Estadual, onde cumpri três mandatos durante nove anos, trabalhei e aprendi muito sobre os valores, princípios e políticas da educação pública, sobretudo no período em que colaborei como vice-presidente do professor José Mário. Logo em seguida, eleito para exercer a presidência, tendo como vice o professor Luis Eduardo Cerqueira Magalhães, atual presidente do Conselho, tivemos a oportunidade de mobilizar os esforços do colegiado nas discussões e definição de diretrizes e normas sobre assuntos até então considerados tabus. Refiro-me aos temas da especificação de despesas com educação, da educação a distância e da delegação de competências aos conselhos municipais de educação. Pouco tempo depois, juntamente com o conselheiro Cordão, dando consequência a dispositivo da LDB, apresentamos ao plenário do Conselho uma proposta, que foi unaninemente aprovada e, coisa rara, aplaudida de instituição da progressão continuada no sistema de ensino do Estado de São Paulo. Medida essa que, curiosamente, vem sendo objeto de críticas justamente por aquilo que ela não é e não deve ser, ou seja, uma simples e irresponsável promoção automática.
Em 1994, a convite do professor João Gualberto, fui nomeado para o Conselho Municipal de Educação de São Paulo, onde tive a oportunidade de exercer a presidência, ao lado do professor Antonio Augusto Parada, no período de 1998 a 2002. Obviamente, sou suspeito para avaliar e julgar o trabalho realizado nessa época, mas posso dizer que demos decidida e persistente contribuição para a consolidação e afirmação do sistema municipal de ensino, conforme preconizado na LDB de 96.
Paralelamente aos conselhos de educação, continuava a minha atividade profissional no Senai e, no final da década de 90, sob a direção do doutor Fábio Aidar, colaborei ativamente no trabalho de formulação de diretrizes e de revisão do modelo de educação profissional voltado para a indústria. Algumas idéias e conceitos norteadores dessa mudança acabaram por influenciar um processo de renovação semelhante deflagrado em âmbito nacional a partir de 1999.
Peço desculpas a todos os presentes pelo aborrecimento de estar repetindo coisas já abordadas pelo professor José Augusto. Acontece que eu tinha o dever e a necessidade de deixar claro, de forma minimamente contextualizada, o meu tributo a figuras inesquecíveis e marcantes na minha vida profissional.
Não poderia deixar de mencionar o fato de que sempre, em todos os lugares e momentos, formei e trabalhei com equipes. Nesse sentido, posso dizer que aproveitei e explorei talentos e competências alheias. E foram muitos os meus colaboradores. Não vou nomeá-los aqui, pois a lista seria muito extensa e, com certeza, cometeria a indelicadeza de omitir algum nome. Proclamo, pois, o meu muito obrigado e a certeza de que a minha chegada a esta Academia é devida à luta e dedicação de todos os meus companheiros de trabalho.
Sud Mennucci. Quem foi essa figura notável na história recente da educação no Estado de São Paulo e no Brasil? Tendo sido um dos fundadores do Centro do Professorado Paulista, em 1930, entidade que veio a presidir até praticamente a sua morte, em 1948, não há local mais apropriado do que este, também chamado “Casa de Sud”, para esta sessão.
Não vou entrar em detalhes, o que demandaria muito tempo, sobre a trajetória intelectual e profissional de Sud. Tentarei ater-me aos traços principais para situar a sua presença no contexto educacional do nosso Estado nos anos 20 a 40.
Devo, preliminarmente, destacar as principais fontes a que tive acesso e utilizei. Da sua obra – vinte livros publicados e inúmeros artigos em jornais e revistas – examinei com mais cuidado A crise brasileira da educação, de 1930, Cem anos de instrução pública – 1822-1922, publicado em 1932, Alma contemporânea, de 1918, e Rodapés, de 1927. Toda a obra de Sud, juntamente com farta bibliografia educacional, encontrei conservada e competentemente organizada no Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, unidade do CPP, localizada na Vila Mariana, à rua Joaquim Távora, número 756, aliás imediações das ruas Sud Mennucci e Capitão Cavalcanti, onde Sud e sua família residiram. O Instituto é dirigido pelo nobre acadêmico Sólon Borges dos Reis, que me recebeu de forma gentilíssima e, para facilitar o meu trabalho, ofereceu valiosas informações sobre Sud. Deixo registrado o meu especial agradecimento às funcionárias Ivanildes e Arlene da biblioteca do Instituto. Outra importante fonte foi o trabalho de cunho histórico-biográfico de autoria de um neto de Sud, Ralph Mennucci Giesbrecht, publicado em 1997 pela Imprensa Oficial do Estado sob o título Sud Mennucci: memórias de Piracicaba, Porto Ferreira, São Paulo… O nome de Sud também está ligado à Imprensa Oficial, órgão por ele dirigido por quase duas décadas.
Sud Mennucci nasceu em 20 de janeiro de 1892 em Piracicaba e faleceu em 22 de julho de 1948 em São Paulo. Primeira geração de brasileiros filhos do casal de imigrantes italianos Amedeo e Teresa, desembarcados no Brasil em 1888. Os 56 anos de existência de Sud estão compreendidos no final do século XIX e primeira metade do século XX. Nesse período, a humanidade passou por duas guerras mundiais e, em 29, uma crise econômica também aconteceu em escala global. Na cultura e nas artes, há uma ruptura com os padrões clássicos e acadêmicos, surgindo, em diferentes tonalidades as manifestações futuristas e o movimento modernista. Em educação, a par do ensino público obrigatório, gratuito e universal, inúmeros estudos e experiências são realizados, ganhando corpo as idéias e teses da escola ativa em oposição à escola tradicional e verbalista. Esta centrada na memória e na repetição, aquela na inteligência e na criação. No Brasil, é a fase histórica denominada Primeira República, até 1930, quando, num processo revolucionário, assume o poder Getúlio Vargas, rompendo com o ciclo da hegemonia mineira e paulista. A economia brasileira caracteriza-se pela produção e exportação de produtos primários, destacando-se o café. A população era predominantemente rural. A urbanização e a industrialização começam a atrair contingentes do campo a partir da década de 30 e, mais fortemente, durante a segunda guerra mundial, com os excedentes da economia cafeeira sendo destinados à indústria de produtos em substituição de importações. Os avanços tecnológicos (que Sud chamava científicos) se multiplicavam, mudando as condições de vida e os hábitos, inicialmente das elites e gradativamente de toda a população. A energia elétrica encabeçava uma série de inventos. O rádio, o telefone, o motor de combustão interna, a petroquímica e assim por diante. Conquanto a escola pública fosse um dos compromissos republicanos, o analfabetismo era altíssimo e a falta de vagas, escolas e professores constituia problema crucial para todas as esferas de governo.
Nesse cenário, em Piracicaba – uma cidade considerada progressista – Sud faz o curso primário e, aos 16 anos, conclui o complementar que lhe assegurou a credencial de professor. Desde cedo, demonstrou talento especial para as letras e a matemática. Não se achava vocacionado para o magistério. Tinha planos de estudar na Politécnica e se tornar engenheiro-geógrafo. A situação financeira, no entanto, não lhe permitiu vir para São Paulo para estudar. Assim, aos 18 anos, em 1910, assume a sua primeira escola rural, como professor, na Fazenda Figueira, no Bairro do Alvarenga, município de Cravinhos. Começa, então, uma trajetória fragmentada e inconstante no magistério. Em 1911 foi transferido para Piracaia. Em 1912 foi para Dourado. Paralelamente, vinha escrevendo para os jornais locais sobre os mais variados assuntos, inclusive sobre educação. Em 1913, é convidado a participar de missão de professores paulistas para reformar as Escolas de Aprendizes de Marinheiros do Brasil. É destacado para Belém do Pará e lá permanece pouco mais de um ano. Volta e intensifica a atividade jornalística junto a O Jornal de Piracicaba. Contemporâneo e amigo de Sud em Piracicaba foi Thales de Andrade que se tornou famoso no meio educacional pelo livro Saudade adotado durante muito tempo nas escolas do Estado de São Paulo.
Em 1914, é nomeado para uma escola urbana: Porto Ferreira. Nessa cidade, ocorreram duas grandes mudanças na vida de Sud: conheceu e casou-se em 1918 com Maria da Silva Oliveira e firmou suas opçôes profissionais pela educação e, ao mesmo tempo quase em pé de igualdade, pelo jornalismo. Começa a colaborar no jornal O Estado de São Paulo, numa relação que se intensificou em sentidos opostos: amor e ódio. Em 1917, publica o seu primeiro livro: Alma contemporânea, com ensaios sobre estética. Para a época e para a idade do autor, poderia ser considerado um grande feito, mas não teve a recepção esperada. Atribuiu o fato à ignorância reinante. Ligado ao tema do livro, cabe assinalar que Sud não aderiu ao movimento modernista, nem demonstrou interesse, ao menos em seus artigos de crítica literária, pelos autores modernistas. Dizia concordar com os modernistas no rompimento com padrões e escolas. Mas não admitia a formação de uma nova “igrejinha” em lugar de outras, como vinha constatando. (A mídia mostrou, recentemente, alguns aspectos desse conturbado e polêmico movimento.) Em Porto Ferreira, Sud tornou-se amigo de outro grande educador brasileiro: Manuel Bergstrom Lourenço Filho.
Provavelmente em virtude de sua atividade jornalística e de contactos na esfera política, em 1920, a convite de Sampaio Dória, então Diretor Geral do Ensino, Sud assume o comando do recenseamento escolar do Estado de São Paulo. Permanece na Capital de São Paulo por algum tempo pela primeira vez. Realizou um trabalho reconhecidamente competente e de grande valor para a reforma do ensino então em curso. Volta a repetir trabalho semelhante em Piracicaba e, a convite de Fernando de Azevedo, no Rio de Janeiro.
Os resultados do censo fortalecem-lhe o conjunto de idéias que vinha se formando desde os tempos da escola rural. Os números evidenciavam uma situação perversa no que se referia às políticas e aos recursos para a educação. Quatro quintos da população estavam no campo e a eles era destinado apenas um quinto dos recursos. Essa distorção seria contínua e ferrenhamente combatida por Sud que se tornou formulador e propagador do ideário “ruralista” do ensino, em sentido diverso da acepção atual.
No mencionado processo de reforma, é designado Delegado de Ensino da região com sede em Campinas. Fato inédito, pois passou de professor adjunto, o mais alto cargo que havia ocupado, para Delegado, o mais alto posto da hierarquia educacional, sem ter exercido as funções intermediárias de diretor de escola e de inspetor escolar. No mesmo ano de 1920 consegue uma permuta, indo para sua cidade natal.
Em Piracicaba, Sud põe em evidência a faceta de realizador que o tornaria conhecido em toda a sua carreira. Em três anos mais que dobrou a rede escolar: de três grupos escolares passou para sete, de três escolas reunidas foi para 25, de oito escolas municipais foi para 27; as isoladas cairam de 56 para 15. Em 1925, descontente com os rumos da política e da gestão educacional do Estado, pede exoneração do cargo de Delegado e, após insistentes convites de Julio de Mesquita Filho, vem para São Paulo para se dedicar ao trabalho jornalístico e, ao mesmo tempo, desenvolver uma breve experiência no ensino privado participando da criação do Gymnasio Moura Santos. Em 1927, repete o feito do censo escolar no Rio de Janeiro, superando as previsíveis resistências no início do projeto.
O magistério sempre fora uma categoria desorganizada e desamparada. Em discurso proferido em Bauru, Sud disse: “Classe sem voz, sem representante, sem programa. Nunca disse o que quer, o que deseja, de que precisa…”. Havia, pois, necessidade, clima e lideranças capazes para a criação de uma entidade que congregasse os professores. Em 1930, um grupo desses líderes, entre os quais Sud, cria o Centro do Professorado Paulista. O primeiro presidente foi Cimbelino de Freitas. Logo no ano seguinte, Sud é eleito para ocupar a presidência da nova agremiação que se consolidaria sob o seu comando durante quase duas décadas. O CPP, como ficou conhecido e existe até hoje, cresceu e se tornou legítimo porta-voz das aflições, dos anseios e das aspirações dos professores paulistas. É óbvio que, após Sud, os desafios se multiplicaram e o CPP contou com novos e excelentes líderes na luta pelas nobres causas do professorado.
Fruto de uma série de palestras, Sud organiza e publica A crise brasileira da educação, considerada a sua principal obra, premiada pela Academia Brasileira de Letras em 1933. Em tom de combate e em linguagem quase panfletária, Sud ataca veementemente a política, a seu ver inteiramente equivocada, de esquecimento e desprezo pela escola rural e relativo apoio às escolas urbanas. Apenas relativo, pois nas cidades também as carências eram gritantes; afinal, havia escolas de boa qualidade, mas suficientes apenas para as elites. Para Sud, o problema era mais profundo. Havia uma espécie de guerra ao campo. Era preciso reverter esse quadro, basicamente por meio de três medidas: facilidades para a posse e domínio da terra pelos pequenos agricultores, melhoria das condições de vida no campo a começar pela energia elétrica e, como artífice e suporte de todo o processo de mudança, o mestre-escola adequadamente preparado e valorizado. Preconizava a urgente criação de escolas normais rurais, em que os professores formados teriam condições de realizar uma tríplice função: sanitarista, técnico agrícola e docente. Não se pode negar que se tratava de uma visão adequada do problema e de possível solução para um país de economia ainda essencialmente agropastoril.
Dessa época registra-se a simpatia de Sud pelo movimento que levou Getúlio ao poder da República. Não consegui identificar se essa preferência antecede ou sucede ao rompimento com os Mesquitas e, consequentemente, se haveria alguma relação de causalidade entre esses fatos. Importa assinalar que, segundo o seu neto biógrafo, nem sempre Sud esteve do lado considerado “certo”. No período da intervenção federal em São Paulo, Sud é designado para dirigir a Imprensa Oficial do Estado. Em mais uma breve experiência no ensino privado, juntamente com Máximo de Moura Santos, cria o Ginásio Paulistano. Sud deixou logo a sociedade; e o Ginásio teve vida longa e destacada na cidade de São Paulo. Outra tarefa que lhe foi atribuída, pelos seus estudos e escritos sobre a matéria, foi integrar a Comissão da Nova Divisão Municipal, criada para rever e reorganizar a divisão territorial do Estado.
Em fins de 1930, após algumas mudanças na interventoria estadual, Sud é nomeado, pela primeira vez, para o mais alto posto da sua carreira: Diretor Geral do Ensino, em substituição a Lourenço filho, com quem as relações já não andavam boas em virtude de declarações de Sud contrárias às idéias de Lourenço sobre a escola ativa. Para Sud, o conceito de escola ativa fora formulado por teóricos de países industrializados e urbanizados, ou seja, para realidades diversas da brasileira. Na Direção Geral do Ensino, Sud promoveu mudanças consideradas radicais para a época. Criou novos cargos de inspetores e delegados; criou uma delegacia do ensino privado; classificou escolas em função do número de classes; fixou mínimo de alunos por classe; alterou o ano letivo; reajustou os salários dos professores. Foi severamente combatido pela imprensa e por setores do magistério. Finalmente, para dar consequência às suas idéias ruralistas, propos a criação de escolas normais rurais, de escolas rurais em novos moldes e de uma inspetoria técnica especializada. Não conseguiu concretizar tudo o que pretendeu. Mais tarde escreveria O que fiz e o que pretendia fazer. Sopravam os ventos da revolução constitucionalista de 32. Nova mudança na interventoria e Sud deixa o cargo. As coisas se precipitam. Sud que havia integrado o PPP (Partido Popular Paulista, de triste memória nos fatos que culminaram no episódio MMDC), e do qual havia se desligado sem que fosse dada a devida publicidade, viu-se em situação política muito embaraçosa. Refugiou-se, durante dois meses, em um sítio em M’Boy, até que as coisas se acalmassem.
Nessa época ocorre um fato importante na história da educação brasileira. Um grupo de educadores – entre os quais estavam Lourenço Filho, Sampaio Dória e Júlio de Mesquita Filho – subscreveu, em 1932, o documento A reconstrução educacional no Brasil (Ao povo e ao governo), mais conhecido como o Manifesto dos pioneiros, redigido por Fernando de Azevedo. Sud não participou desse grupo.
Após o afastamento, Sud reaparece em cena em agosto de 33, e assume, uma segunda vez, a Direção Geral do Departamento de Educação, agora em substituição a Fernando de Azevedo, sendo interventor o general Daltro Filho. Desta vez, Sud consegue a assinatura do Decreto criando a Escola Normal Rural de Piracicaba, a primeira do Estado e do Brasil. Outra medida foi a facilitação de remoção de professores por união de cônjuges, antiga aspiração do magistério. De fato, havia um acordo para que Sud viabilizasse o mencionado Decreto e, em seguida, deixasse o cargo. Desta vez, foi uma curta passagem de menos de vinte dias. A Escola criada, como não é tão incomum neste país, ficou, durante muito tempo, só no papel. Outros Estados brasileiros acabaram tendo a primazia da efetiva implantação de escolas de formação de professores para o ensino rural, como, por exemplo, Juazeiro do Ceará, onde Sud compareceu para paraninfar a primeira formatura.
A despeito das suas complicadas posições políticas no cenário paulista, Sud continuava sendo uma indiscutível liderança nos meios educacionais e no magistério. A crença no prestígio e a voz dos seguidores próximos, levaram-no à única e frustrada candidatura político-eleitoral a um cargo público. Não conseguiu eleger-se para a Assembléia Nacional constituinte em 33 e nunca mais arriscou-se a empreitada semelhante.
A partir dessa época, Sud intensifica sua atividade de propagador das idéias ruralistas em educação. Viaja muito pelo Estado de São Paulo e pelo Brasil. Profere conferências, escreve artigos e recebe muitas homenagens. Continua colaborando com a reforma municipal. No final dos trabalhos da Comissão, em 35, muitos municípios haviam sido criados e outros redesenhados. Santo Amaro deixa de ser município e integra-se à Capital.
O ruralismo pregado por Sud acaba impressionando o Secretário da Agricultura, doutor Piza, que o convida para organizar o Departamento dos Clubes de Trabalho no âmbito daquela pasta. Nesse posto, conseguiu realizar muita coisa em prol do ensino e das escolas rurais.
O CPP, sob o comando de Sud, continua crescendo e ampliando o espaço de atuação na defesa dos interesses do professorado. Em 43, como que por ironia do destino, Sud é nomeado para ocupar o cargo de diretor-superintendente do jornal O Estado de São Paulo que, por razões políticas, se encontrava sob uma insólita intervenção, travestida de operação comercial, determinada por Ademar de Barros em 1940. Aliás, por linhas tortas concretizava-se aquilo que Julinho Mesquita um dia profetizara. Em 46, o jornal volta aos seus antigos e legítimos proprietários.
Sud Mennucci foi cogitado várias vezes para o cargo de Secretário da Educação e, até mesmo, para interventor no Estado de São Paulo. Só cogitações. Estava predestinado, porém, a voltar mais uma vez ao Departamento de Educação, em 1944, integrando a equipe do interventor Fernando Costa e do secretário Sebastião Nogueira de Lima, este piracicabano como Sud. Desta feita, parecia ser mais fácil realizar as aspirações ruralistas, com o apoio do próprio Fernando Costa. Os tempos, porém, eram outros. As indústrias e as cidades já não estavam tão a reboque do campo e passavam a ter ativa participação nos destinos da economia e da política brasileira. Mesmo assim, Sud tomou medidas importantes como a criação da Assistência Técnica do Ensino Rural, de cursos de especialização, da Escola Agrícola de Pinhal e de cerca de 20 escolas rurais. Demite-se em outubro de 45 e retorna, como tantas vezes já ocorrera, para a Imprensa Oficial.
Após a ditadura Vargas, Sud continua sua atividade jornalística e de divulgador do “ruralismo” em educação. Prossegue liderando a categoria profissional dos professores. Muitas viagens, muitas conferências e muitas homenagens. Mas, a saúde começava a fraquejar. Sofria de brutal hipertensão, à época diagnosticada como pressão alta maligna. O quadro se agrava e Sud sucumbe em 1948.
Como foi possível constatar, Sud tinha especial aversão à neutralidade. O combate e a polêmica são constantes na sua trajetória pessoal e profissional. Quanto às suas idéias, especialmente as ruralistas, pode-se dizer que refletiam uma visão crítica da realidade econômica, política e social do seu tempo. Obviamente, ele não contava, embora já vislumbrasse sinais nos anos 40, com a inversão da relação demográfica entre o campo e a cidade. Muito menos imaginava o rumo que iria assumir a questão agrária no País. A atuação de Sud na educação, entretanto, constitui, sem dúvida alguma, um marco de ação afirmativa na consolidação do sistema de ensino no Estado de São Paulo, seja no exercício de inúmeras funções públicas, seja na liderança do professorado.
Gosto de dizer, sempre que posso, que o desenvolvimento do Estado de São Paulo, além de outras determinações históricas igualmente relevantes, é devido ao ensino, público e privado, em todos os níveis e modalidades, a despeito das mazelas e dificuldades que todos conhecemos. E Sud Mennucci figura, com justeza, na galeria dos idealizadores e construtores da educação em São Paulo.
Como disse no início, minha tarefa hoje seria falar sobre o patrono da cadeira número 8 e sobre a minha antecessora, professora Noêmia Saraiva de Matos Cruz. Lamentavelmente, não consegui avançar sobre a vida e obra da professora Noêmia. Prometo fazê-lo em outra oportunidade. Quero, pelo menos, assinalar que ela foi contemporânea e concretizadora de muitas das idéias de Sud sobre o ensino rural. Nasceu em Rio Claro em 1894 e faleceu em São Paulo em 1987. Graduou-se pela Escola Normal da Praça da República em 1912 e especializou-se em sanitarismo, enfermagem e técnicas agrícolas. Dirigiu a Escola Rural do Butantan de 35 a 42, quando aquela região era formada por sítios e chácaras. Ocupou vários cargos ligados ao ensino rural e representou São Paulo em diversos congressos sobre essa modalidade educativa. Participou do grupo de educadores que fundou esta Academia.
Senhor Presidente, senhores acadêmicos, minhas amigas e meus amigos, esta cidade, nos festejos dos seus 450 anos, pode orgulhar-se da presença e atuação de educadores da envergadura de Sud Mennucci e de Noêmia Saraiva de Matos Cruz. A eles rendo, se me permitem em nome desta comunidade, neste momento, as nossas sinceras e respeitosas homenagens.
Finalmente, quero reafirmar a minha firme disposição de continuar essa luta em prol da educação em nosso Estado e no nosso País, em busca permanente de uma sociedade plural, justa, solidária e democrática.
Muito obrigado pela atenção.
SP, 19/04/2004