Discurso de Saudação à Acadêmica Myriam Krasilchik
Discurso de saudação à
Acadêmica Professora Doutora Myriam Krasilchik
24/3/1998
Recebi dos Senhores Acadêmicos a agradável incumbência de saudar a Professora Doutora Myriam Krasilchik, eleita para integrar a Academia Paulista de Educação. É com muita alegria que lhe transmito os votos de boas vindas a esta Instituição, que se sente enriquecida e honrada com sua participação. Recebê-la entre nós é dar mais um passo para a realização dos propósitos da Academia, que ao congregar educadores, pretende tanto incentivar o livre debate de ideias quanto incrementar realizações no campo da educação, expandindo suas atividades junto à comunidade e aos poderes públicos.
Cada educador que conquistamos para os nossos quadros traz consigo uma dupla esperança: dar continuidade aos trabalhos já iniciados e participar da renovação de nossas atividades, diante dos problemas do mundo contemporâneo. Pois trabalhar em educação é uma atividade intensamente criativa, desbravadora de novos caminhos, já que o decurso do tempo não só revela novas perplexidades e conflitos, como gera a necessidade da ampliação de horizontes e da abertura de novas fronteiras. E esse nunca será um trabalho isolado, mas proveniente de colaboração, de troca, de cooperação. Por esse motivo as instituições que se ocupam de educação são transformadas, talvez transfiguradas por meio das pessoas que nelas atuam, por sua capacidade de imprimir-lhes novos impulsos para a ação. Necessitam, pois, da participação de personalidades capazes de ter ideais e de não desistir no caminho de sua realização. Pois o trabalho em educação é complexo. Nunca será indiferente, desinteressado, pois é realizado em favor dos educandos, das novas gerações, da comunidade, em princípio, de toda a humanidade. Deve opor-se às forças hostis que tantas vezes colocam obstáculos em seu caminho e colaborar com as forças vivas capazes de construir o futuro. O segredo está em distinguir umas de outras, desenvolver critérios e esclarecer os valores que presidem à escolha. A vida de um educador autêntico constitui, pois, uma construção contínua, uma autoconstrução proveniente de todas as suas batalhas, que assim parecem tantas vezes as experiências que se tem, os desafios assumidos e os resultados obtidos através de muitas lutas.
Myriam Krasilchik é mais uma dessas personalidades dedicadas à educação, que conseguimos conquistar para os quadros da Academia Paulista de Educação. Para que se possa aquilatar, embora de modo pálido, a carreira da professora que hoje homenageamos, falarei resumidamente de seu currículo, já que este representa o processo de autoelaboração de uma profissional da educação. Antes de relatar seus sucessos como pesquisadora e professora universitária, permitam-me, entretanto, a referência a algumas lembranças, talvez reminiscências.
Conheci Myriam quando, após concurso, passou a integrar a equipe de professores do Colégio de Aplicação da USP da qual eu participei. Os ideais de renovação educacional estavam presentes em época na qual a Escola Nova que se diferenciava em propostas práticas provenientes de países da Europa e da América, começava a enfrentar os problemas brasileiros e o desafio de tentar solucioná-los com nossos parcos recursos. Ou seja, os ideais renovadores começavam a concretizar-se em nossa realidade adquirindo a forma de novas experiências. O Colégio de Aplicação foi uma dessas iniciativas, que talvez só tivessem em comum a ideia do respeito ao aluno, à sua inteligência e à sua integridade de ser moral e social. Quanto aos meios estes precisavam ser inventados, criados, e para tanto as novas investigações pedagógicas e a convergência para a educação de pesquisas em psicologia e sociologia, tornava-se importante para orientar a prática. Foram tempos de iniciação, de abertura de novos caminhos, de tensões e também de tropeços, tempos nos quais se punha à prova a sinceridade de propósitos de seus participantes, a lealdade à obra que se realizava, a coragem de esclarecer ideais e pugnar por sua realização. Pois bem: segui, de perto. O trabalho de Myriam, sua dedicação à obra que se construía, a criatividade dos meios e a clareza dos fins que a impulsionavam, já que durante muito tempo nossa vida profissional esteve entrelaçada, num tecido feito de objetivos comuns, constante troca de ideias e atividades profissionais interligadas. Foram os tempos da nossa velha e querida Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, prolongados, depois da reforma universitária, pelos anos decorridos na nova Faculdade de Educação. Ora, o tempo, que põe à prova qualquer obra realizada, permite também ver melhor seus contornos e avaliar o saldo do caminho percorrido. É à luz do tempo que vejo aquelas qualidades da jovem professora da “aplicação” reaparecendo sempre, seja quando dirigiu e coordenou importantes instituições de ensino e pesquisa , seja no ensino e nas atividades de extensão universitária que exerceu em sua carreira de docente e pesquisadora. Perseveraram em suas obras e nos numerosos artigos que publicou em periódicos científicos no Brasil e no estrangeiro e expandiram-se em sua atuação junto a organizações nacionais e estrangeiras. Em todas, permanece como eixo temático de seu trabalho o ensino de ciências, especialmente Biologia, inserido sempre num contexto educacional.
Passo agora, como é de praxe, a um breve resumo da carreira profissional da nova acadêmica. Esta oferece uma linha coerente de pensamento e de ação, a partir de seu diploma de bacharel e licenciada em História Natural, com especialização em Botânica. O desenvolvimento de suas atividades na área educacional inicia-se pelo exercício do magistério em escolas estaduais e especialmente no Colégio de Aplicação da USP, como já disse. Convidada a integrar a equipe de professores de Didática da Faculdade de Educação, na qual assume o setor de Prática de Ensino na área de Ciências, amplia essas tarefas por meio da realização de estágios e pesquisas como professora visitante em diferentes centros da Europa, Estados Unidos e Oriente Médio. Seu trabalho renovador obtém repercussão internacional e passa a ser membro integrante de organizações impulsionadoras nessa área, colaborando em Congressos e Simpósios dedicados à análise de iniciativas e tendências em educação científica e tecnológica. Merecem especial referência suas iniciativas pioneiras no campo da Educação ambiental, setor no qual é reconhecido o seu papel de semear novas ideias. O prosseguimento dessa vertente de sua atuação é a organização de seminários e cursos em diferentes instituições da América Latina.
Na Universidade de São Paulo, seguiu carreira ascendente, obtendo o diploma de Doutor em l974, e sucessivamente, os títulos de Livre-Docente, Professor Adjunto e Professor Titular, em concursos realizados na Faculdade de Educação da USP. Na mesma Instituição, sua carreira administrativa foi marcante, tendo exercido a Vice-Diretoria e a Diretoria da Faculdade, cuja reestruturação presidiu e estimulou. Exerceu continuamente a docência em cursos de graduação e de pós-graduação. Quanto aos seus inúmeros orientandos, muitos deles exercem hoje, por sua vez, atividades de liderança nas instituições em que trabalham. Essa tarefa orientadora vem sendo acompanhada pela participação da docente em numerosas Comissões Examinadoras de teses acadêmicas e de Concursos Universitários.
Por sua iniciativa foram implantados cursos de Metodologia do ensino superior interessando a vários institutos da Universidade especialmente da área de Ciências Biológicas.
Membro do Conselho Universitário, assumiu tarefas relevantes na administração da USP exercendo entre outras as funções de Vice-Coordenadora da Comissão de cursos de Pós-Graduação em Educação Ambiental e participando do Conselho Curador da FUVEST.
A diretoria do Centro de Treinamento de Professores de Ciências de São Paulo (CECISP) marca um aspecto importante da trajetória da docente, quanto à sua liderança no processo de expansão e discussão de novas ideias em educação científica. Por ter estado, como a nossa homenageada, muito envolvida nessa atividade, não posso deixar de consignar aqui as impressões que dela permaneceram em minha memória. Foi um desses períodos, na trajetória profissional de um grupo de educadores, nos quais a esperança de um futuro melhor apareceu de modo altamente positivo. Pude acompanhar os projetos iniciados no IBECC (Instituto Brasileiro para Educação, Ciência e Cultura), e posteriormente assumidos pelo CECISP, Centro de Treinamento de Professores de Ciências de São Paulo, iniciativas que levaram a docentes e alunos das escolas paulistas um elemento propulsor para a compreensão da ciência e de sua relação com a vida e a cidadania. Nos dias que correm podemos identificar os benefícios dessas “pontas de lança” da educação em ciência.
Por meio de assessoria prestada a Secretarias Estaduais e ao Ministério da Educação, no qual coordenou projetos especiais de Educação para a Ciência, Myriam Krasilchik encontrou outras modalidades para interagir com órgãos decisórios, voltados ao aperfeiçoamento da educação em ciências, o que inclui a constante assessoria prestada aos mais conceituados órgãos de apoio à pesquisa no Brasil. Sua nomeação como membro do primeiro grupo de integrantes do Conselho Nacional de Educação, por indicação conjunta da USP, SBPC e ANPED é prova do reconhecimento de seu valor.
Há quatro anos assumiu a Vice-Reitoria da Universidade de São Paulo, cargo que pela primeira vez é ocupado por uma mulher. Do muito que fez, nestes últimos anos, destaco apenas dois aspectos, por especialmente relacionados ao campo da educação. O primeiro é o programa de alunos especiais, inicialmente realizado na Faculdade de Educação da USP, por iniciativa de sua então diretora, Myriam Krasilchik. Destinado a professores da rede pública de escolas de primeiro e segundo graus, abre a eles as portas da Universidade, utilizando sua capacidade ociosa e permitindo-lhes compartilhar de novas pesquisas e propostas pedagógicas. Em troca, a Universidade deles recebe a visão de realidade, da qual corre sempre o risco de afastar-se. O segundo aspecto da atuação da Vice-Reitora, que desejo destacar, é o programa de aperfeiçoamento do ensino superior que envolve pós-graduandos em atividades didáticas. Trata-se de um conjunto de medidas que tem não apenas decorrências na prática docente, mas que estão permitindo reflexões avançadas sobre os fins e os meios da atividade universitária, e o acompanhamento das mudanças que ocorrem nos estudantes e no ambiente de trabalho, em decorrência do projeto.
Reconheço que esse breve resumo da carreira de Myriam Krasilchik, reflete, apenas palidamente, o caráter incisivo e expansivo das diferentes faces de sua atuação no campo educacional. Para descrever mais a fundo sua vida de dedicação ao ensino e à pesquisa, para uma compreensão mais ampla de seu esforço para incrementar o potencial educativo da ciência junto à escola e à comunidade, é preciso que se considere aspectos que não cabem numa simples enumeração de cargos, funções e atividades. É preciso que se conheça seu interesse pela elaboração de uma didática que atenda às necessidades da população brasileira como um todo e não apenas de alguns de seus segmentos privilegiados, bem como sua luta para o reconhecimento dos propósitos de uma educação democrática: ideias que expôs em seus trabalhos revelam sua confiança em que a ciência não precisa ser “ vulgarizada” para ter função no ensino, já que o rigor científico nada tem de incompatível com uma didática que facilite suas aquisições e torne fecundo o seu caminho. E que não se fecha no interior das paredes escolares, mas se transforma num processo globalizador de educação ambiental. Note-se, ainda, sua atenção ao estabelecimento de laços interdisciplinares entre os campos, infelizmente tantas vezes distanciados da educação e da ciência na educação brasileira, bem como sua presença marcante no incremento do intercâmbio de ideias entre o Brasil e outros países.
Poderíamos evocar outros aspectos da evolução da vida profissional de nossa homenageada, que tem pontuado seu perfil de educadora, mas é impossível fazê-lo nos limites desta ocasião festiva. Posso, apenas, ao finalizar esta saudação, ressaltar o valor da aliança que na personalidade de Myriam Krasilchik se tornou uma constante, a aliança entre a inteligência e a sensibilidade, que rege seu elevado senso de valores e a lealdade que sempre pautou suas ações e relações pessoais.
Para mim, Myriam Krasilchik representa plenamente o ideal de uma educadora para a qual o desenvolvimento da inteligência e do saber está a serviço do exercício ético e lúcido da democracia no seu mais amplo sentido de respeito à dignidade da pessoa humana..
Antes de terminar permitam-me, Senhoras e Senhores, que preste uma homenagem especial a Dona Regina, Mãe e Amiga, cuja ternura e dedicação têm acompanhado e apoiado a trajetória pessoal e profissional de sua filha, Myriam, e que reúne em torno de si laços familiares tão significativos. .
Seja bem-vinda, Myriam, á Academia Paulista de Educação, que sentindo-se honrada por sua presença, muito espera de sua colaboração.