Editorial Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro de 2012
Estado da educação
Editorial Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro de 2012
Enem, currículo mínimo, ensino infantil e qualificação de professores são os desafios que Mercadante encontra no MEC como legado de Haddad
A troca de ministros na pasta da Educação renova oportunidades e temores quanto ao setor apontado como o mais estratégico para o desenvolvimento do país.
Após seis anos e meio, Fernando Haddad deixou o MEC em janeiro para candidatar-se a prefeito de São Paulo pelo PT. Foi o terceiro ministro que mais tempo permaneceu no cargo. Perde só para Paulo Renato Souza (1995 a 2002) e Gustavo Capanema (1934 a 1945).
Nos padrões brasileiros, foi tempo suficiente para deixar alguma marca, e Haddad o fez. Qualquer análise do que acontece na educação, no entanto, precisa considerar que sucessos e fracassos de hoje resultam, principalmente, da acumulação de erros e acertos no passado.
O descaso histórico com o setor não poderia resultar em diagnóstico diverso do formulado pelo movimento Todos Pela Educação, que mostra apenas 11% dos formandos do ensino médio com nível de aprendizado adequado em matemática e 8% da população entre 4 e 17 anos fora da escola.
No entanto, mesmo diante de fotografia tão lamentável, é urgente evitar a autoflagelação estéril.
Os indicadores nacionais e internacionais de avaliação mostram que houve alguma melhoria na qualidade da educação, especialmente no começo do ensino fundamental. O Ideb, índice que combina numa escala de 0 a 10 o desempenho dos alunos e as taxas de aprovação, aumentou 0,8 ponto. Foi de 3,8 para 4,6 -ainda uma nota vermelha- no antigo primário, entre 2005 e 2009.
Os últimos resultados do Pisa, um exame internacional padronizado, mostram que se reduziu a distância diante dos países desenvolvidos, mas o abismo permanece. O país é o 53º colocado numa lista de 65 nações comparadas, e um jovem de 15 anos na escola está, em média, dois anos atrasado em proficiência de leitura, na comparação com estudantes da mesma idade em países ricos.
É preocupante a quase estagnação do ensino médio no país. Além de ser o setor em que menos se avançou, é também um nível de ensino cujo acesso ainda não foi universalizado, pois quase metade dos jovens de 15 a 17 anos estão ausentes de suas salas.
Melhorar o desempenho médio dos alunos, ao mesmo tempo em que os jovens pobres sejam incluídos na etapa final do ensino básico, é um desafio que exigirá esforço maior do que o realizado até agora.
As marcas mais visíveis deixadas por Haddad foram a criação do ProUni, que deu 920 mil bolsas para jovens frequentarem a universidade, a eleição de metas de qualidade no ensino básico, a serem atingidas em colaboração com municípios e Estados, e a ampliação do investimento público em educação, de 3,9% para 5% do PIB.
Acertou também ao dar continuidade a políticas herdadas do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Foi o caso da distribuição e da avaliação de livros didáticos, das avaliações educacionais e do Fundef, fundo de financiamento do ensino fundamental ampliado em 2007 para abranger também a educação infantil e o ensino médio, depois rebatizado como Fundeb.
Deixa para o seu sucessor, o também petista Aloizio Mercadante, vários e enormes problemas por resolver. O mais notório é o Enem. Trata-se de uma boa ideia, que deveria ajudar a nortear o ensino médio, mas que se revelou um verdadeiro fiasco, com sucessivas falhas.
É também imperioso avançar na formulação de um currículo mínimo nacional, que, ao contrário dos parâmetros curriculares atualmente em vigor, seja preciso e enxuto. Os professores de hoje carecem de orientações claras sobre o que a sociedade espera que os alunos aprendam em cada série.
Dar mais recursos ao ensino infantil, ampliar programas para reciclar e pagar melhor os docentes, reformar currículos de cursos universitários de formação de professores -eis alguns dos outros desafios que precisam de mais atenção do governo federal. A União tem a responsabilidade de liderar Estados e municípios nessa matéria.
Os desafios são muitos, mas o atual e os futuros ministros da Educação contarão com uma ajuda preciosa da demografia. Nos últimos 30 anos, a queda nas taxas de fecundidade levou à diminuição do número absoluto de crianças nascidas a cada ano. Isso facilitará a inadiável tarefa de aumentar os investimentos per capita na infância.
Além do mais, os alunos que hoje ingressam nas escolas são filhos de mães com maior instrução. Em 1981, apenas um quarto das mulheres em idade fértil tinha completado o ensino fundamental. Em 2009, a proporção passou a ser de 70%.
Como essa é uma das variáveis de maior impacto no desempenho do aluno, isso significa que, pela própria inércia demográfica, há condições para dar um salto no aprendizado. Mas, para que o futuro nos aproxime das nações desenvolvidas, os governantes do presente precisam agir com o discernimento de quem enxerga muito além do calendário eleitoral.