Artigo – Ensino médio revisitado

por Nacim W. Chieco
Vejo com preocupação e certa dose de estranheza as manifestações de alvoroço e entusiasmo com a recente lei do ensino médio, aprovada no Congresso Nacional e em vias de sanção presidencial.
O propósito continua sendo o de motivar os jovens a ingressar, permanecer e concluir essa etapa da educação básica, com um desenho curricular moderno, flexível e atraente. Busca-se combater, assim, a acentuada evasão e o não ingresso.
De fato, há alguma coisa positiva nessa novíssima reforma. Também se fala em reforma da reforma. Prefiro ensino médio revisitado. Destaca-se, desde logo, o aumento da carga horária de conhecimentos gerais, de 1.800 para 2.400 horas. Mas pára por aí. Os chamados itinerários formativos – linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico e profissional – para completar o mínimo de 3.000 horas, continuam praticamente os mesmos. Estes com uma relevante e salutar ressalva de que devem ser regulados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), prevenindo-se, dessa forma, o caos resultante da reforma de 2017. Trata-se, portanto, de ajuste e aprimoramento da norma anterior, ou seja, uma revisitada com mudanças pouco profundas. Nem poderia ser diferente, tendo em vista a conjuntura política e a relatoria na Câmara dos Deputados, cujo texto acabou prevalecendo.
Logo após a publicação da Lei n° 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, do que passou a ser chamado novo ensino médio (NEM), manifestei-me em artigo publicado no sítio da Academia Paulista de Educação (APE) sob o título “Reforma do ensino médio: prevenindo o caos”. Apontava, à época, as dificuldades operacionais das bases humanas e físicas, e, sobretudo, os previsíveis desencontros entre as demandas dos alunos e as ofertas dos itinerários pelas escolas. Sugeria, para a amenização desses obstáculos, providências imediatas de ampliação e melhoria das redes físicas de ensino e de valorização dos professores e demais profissionais escolares. Para conciliação entre demanda e oferta, recomendava o envolvimento estratégico de cada comunidade na definição dos itinerários a oferecer. Na prática, nada disso aconteceu. Mantenho as sugestões que fiz àquela época.
Em abril de 2023, expressei meu desencanto no texto “Novo ensino médio: caos instalado”, também publicado no citado sítio. Lamentavelmente, meu agouro se concretizava. Em São Paulo, para exemplificar, na fase dos itinerários a oferta se tornou uma fragmentária e, em certos casos, banalizadora ciranda curricular. As insatisfações de alunos e famílias se avolumaram, principalmente pela sensível queda de conhecimentos requeridos para ingresso no ensino superior.
O novo governo federal determina, em 2023, uma parada geral para consulta aos diretamente envolvidos: escolas, alunos e comunidades. A partir dos resultados e de pressões corporativas e políticas, o executivo envia o projeto de mudança que, após discussão e ajustes pontuais, encontra-se na mesa presidencial.
Com pesar, digo que são equivocadas as alegres e trêfegas manifestações sobre os pretendidos e louvados benefícios da nova Lei. Continuarão presentes as mesmas dificuldades e obstáculos operacionais para a sua implantação. Concordo que os currículos precisam ser constantemente aprimorados e alinhados às demandas sociais e aos avanços científicos e tecnológicos. Acontece que, além e mais crucial que o currículo, o nosso problema atual se resume no tripé: escola-professor-aluno.
A escola precisa de condições físicas adequadas para um ensino de boa qualidade e para a oferta dos itinerários. Salas de aula, laboratórios, espaços profissionalizantes ou parcerias com entidades especializadas e demais ambientes de ensino e de socialização. Tais condições, salvo honrosas exceções, não existem nas redes públicas em todo o país.
A despeito de avanços nas três últimas décadas, os professores brasileiros ainda estão longe de uma valorização realmente condizente com a importância da educação no desenvolvimento humano sustentado. Nessa mesma linha, encontra-se a figura central do funcionamento da escola que é o diretor. E mais, a escola é um corpo que requer um conjunto diversificado de profissionais qualificados para o bom atendimento aos usuários. Nesse aspecto, ao que se sabe, a situação reinante chega ser sofrível nas escolas públicas.
Alunos ou candidatos ao ensino médio são os jovens na faixa de 15 aos 17 anos de idade. É nessa faixa, justamente, que esse jovem, na grande maioria da população brasileira, precisa trabalhar para ajudar e complementar o orçamento familiar. Não está comprovado que o jovem abandona ou nem mesmo ingressa no ensino médio por culpa do currículo. É a necessidade econômica, prezado leitor.
Nessas condições, não há currículo que erradique as mazelas e misérias que assolam o nosso ensino médio.
Curiosamente, as otimistas análises e previsões atuais não estão mencionando um dado que pode contribuir fortemente para o ingresso e permanência do jovem no ensino médio. É o incentivo financeiro, na modalidade poupança, instituído pelo governo federal, por meio da Lei n° 14.818, de 16 de janeiro de 2024. A esse respeito, no artigo “Sugestões para a melhoria do ensino médio brasileiro”, elaborado por equipe de educadores e publicado no jornal O Estado de S. Paulo, p. A4, 16/10/2023, concluiu-se que a bolsa ensino médio “por si só, não soluciona todos os problemas. Há outros fatores em jogo, destacando-se a formação e a valorização do magistério e a ampliação e melhoria da base física. Sem a bolsa, porém, não há possibilidade de que tal solução aconteça, pois ela constitui requisito mínimo indispensável para a realização do almejado ensino médio de excelência para todos.”
Há, pois, alguma luz no fim do túnel. Não exatamente da suposta e propalada fonte.
SP, 18 de julho de 2024
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Nacim W. Chieco é membro da Academia Paulista de Educação.