Palestra Profa. Lucia Santaella – Lançamento do 57º Prêmio Jabuti – 01 de junho de 2015
Palestra: Profª Lucia Santaella
Lançamento do 57º Prêmio Jabuti
1º de junho de 2015 CIEE – São Paulo/SP
Contribuições do livro digital para o universo infantil
Boa noite a todos. É um imenso prazer estar aqui com vocês e estou extremamente honrada – tão honrada, obrigada – que meu coração bate mais forte. Tão honrada, que eu fico até constrangida.
O assunto me é tão familiar. E eu tenho trabalhado desde que a cultura digital começou a despontar, eu me lembro que em 1996 eu fui convidada pela reitoria da PUC e a SBPC, seria lá na PUC, e eu fui convidada para fazer parte da comissão organizadora. Em 1996, a internet, vocês sabem que ela está celebrando 20 anos agora, a internet comercial no Brasil. E eu… muito timidamente, porque como eu vendo da área das humanidades, então, muito tímida – não é? – diante daqueles cientistas, e eu falei, “vamos fazer uma mesa redonda sobre internet?”, e eles me olharam com profundo desprezo e disseram, “a internet é só uma tecnologia”. Então, depois de 20 anos eu costumo dizer, “a história se vinga e quem vence é a poesia”. Eu estava do lado da poesia, e é sobre isso que eu vou falar hoje para vocês, trazendo esse mundo digital para o contexto do mundo infantil. Então, olhem, eu tirei algumas imagens de um livro infantil ‘Jack and the (billstock) ‘ que ganhou a menção honrosa na Feira do Livro de Bologna, ganhou menção honrosa de ‘livro digital infantil’.Então, antes de tudo, eu quero parabenizar o Prêmio Jabuti, a Marisa Lajollo, e esses últimos anos do Prêmio Jabuti, que tem expandido as categorias, ela não é uma expansão arbitrária. O destino da inteligência humana é como o destino da vida, é ir crescendo e se ampliando cada vez mais.
Então, essa ampliação da inteligência e da criatividade humana, ela vai se desmembrando e se multiplicando em diversas áreas, e o Jabuti está de parabéns porque tem acompanhado essa ampliação das áreas do conhecimento, do saber, da produção e da criatividade humanas, e nisso nós não podemos deixar de acreditar.
Então, eu preparei algumas páginas mnemônicas para mim. Em primeiro lugar eu gostaria de dizer que o ser humano é um ser em evolução. Isso já está em Marx, poucas pessoas repetem essa frase de Marx, “transformando a Natureza, o ser humano transforma a sua própria natureza”. Então, a natureza humana está em perpétuo metabolismo e transformação. E essa transformação, ela é devida antes de tudo ao fato de que o ser humano é um ser de linguagem. Os outros animais, eles têm até capacidade simbólica. As abelhas dançam, as formigas trabalham de uma maneira invejável, e as raposas mentem – mas… é, raposas mentem, que coisa estranha, que dificuldade semiótica que a gente tem para mentir, já as raposas mentem. ((acha graça)) Então, elas têm capacidade simbólica. Mas, o ser humano é o único ser que fala. Então, toda a evolução humana, ela está muito marcada pela evolução das linguagens humanas.
A linguagem humana não é um monólito. Tanto é que da fala ela foi gradativamente saindo corpo – porque o corpo é mortal – e, para preservar e eternizar aquilo que o ser humano cria, é preciso colocar e registrar fora do corpo. Os gregos reclamaram. Se a gente pega os diálogos platônicos, eles reclamaram da invenção do alfabeto, “o ser humano ia perder o seu maior tesouro, que é a memória”. Só que a memória, sem o registro fora dela, ela é mortal.
Então, é preciso que a espécie ganhe com essa externalização da memória para fora do corpo. Essa é a base para a gente entender por que é que nós estamos hoje no mundo digital. É essa externalização da memória, por vários meios, que vai se ampliando cada vez mais. Então, o estágio atual é o da cultura digital.
Então, a cultura digital, ela não é um… eu não gosto de ver a cultura digital desde os anos 1990, quando ela começou a fazer parte da nossa vida e o computador começou a se transformar em um artefato doméstico, daí se abriu, e a gente passou a se comunicar gradativamente com o mundo inteiro. Hoje a gente se comunica com o mundo inteiro com um aparelho ‘desse’ tamanho, pequenino em nossas mãos, que é o nosso mimo.
Para vocês terem uma ideia, em 2006 eu estava escrevendo um livro ‘Linguagens líquidas na era da mobilidade’ e peguei como base um livro de um finlandês onde ele dizia, “a cidade na palma da mão”. 2003… e em 2006 o título do capítulo que eu estava escrevendo era ‘O mundo na palma da mão’. Então, a transformação da cultura digital, ela é muito acelerada e nós estamos na 5ª fase em 20 anos da implantação do mundo digital.Então, o estágio atual é este. Eu vou tentar caracterizar um pouquinho isto dentro do campo do universo infantil que é sobre o qual eu vim hoje falar. As características da linguagem no universo da cultura digital, essa linguagem, ela tem a característica de ser hipermidiática. Então, ela é feita através da conexão de lexias – que são fragmentos de texto, e isso é o hipertexto –, mas no momento em que esta possibilidade de se lincar, de se conectar lexias que não são só verbais, mas que são imagens e daí sons e hoje animações, vídeos, etc., elas se transformam em hipermídia. Então, são as linguagens do nosso tempo.
As linguagens do nosso tempo, que características elas têm? Elas são hipermidiáticas, hipermídia, transmídia, que é a passagem dessa linguagem hipermidiática para outras plataformas. Então, do game, do cinema vai, da literatura escrita vai para o cinema, do cinema vai para um game, do game vai para alguma outra plataforma, e essas plataformas não cessam de aparecer, novas. Então, a hipermídia, a multimídia, que são as linguagens de nosso tempo.
E aí, eu vou terminar esta página com uma leitura que eu fiz e que me fascinou profundamente. Cito muito esse autor em meus livros, ele se chama Merlin Donald, e ele escreveu um livro, ‘O desenvolvimento da inteligência humana’. E daí ele escreveu um outro livro, só escreveu esses dois, mas eles são absolutamente preciosos… ‘uma mente tão rara’. E o que é que ele diz? Ele diz muitas coisas, mas a ideia principal que eu estou tentando trazer para vocês, é que o pensamento humano é híbrido.
Nosso pensamento não é só verbal. Ele é um pensamento que se desenvolve através de imagens, relações, às vezes tensões, polaridades, sentimentos, vontades… quer dizer, tudo isso ((enfatizou)) compõem o nosso pensamento. Por isso eu costumo dizer que a mente humana, ela é promíscua. Promíscua, no seguinte sentido, ela não é somente o pensamento lógico, não é que se estrutura proposicionalmente. Mas, ela é uma mistura de tudo isso, é híbrido.
“Nosso pensamento é híbrido”.Então, ele diz o seguinte, que gradativamente esses meios de externalização da memória humana para fora do corpo, para fora do nosso cérebro mortal, para meios, então, que se externalizam, e com os quais a espécie ganha, ele diz o seguinte, “hoje nós chegamos em um ponto em que as linguagens humanas estão conseguindo atualizar ((enfatizou)) aquilo, representar e expressar a própria natureza do pensamento humano”, que é essa mistura.Então, quando a gente conecta o computador e começa a navegar no computador, nós encontramos aí, um modo de expressão da linguagem humana que tem uma certa similaridade – não completa, porque a materialidade é diferente – mas uma certa similaridade com o modo como o nosso próprio pensamento funciona.
O que eu aqui marcar é o seguinte, essas linguagens do nosso tempo não anulam as formas de linguagem anteriores. Então, sou uma grande defensora, ainda, do texto exclusivamente verbal. E essas ideias, eu comecei a sistematizar em um livro ‘Navegar no ciberespaço’. São vários de leitores por quê? São vários tipos de habilidades cognitivas, que cada linguagem nos leva a exercitar de uma determinada maneira. Então, do meu ponto de vista, na medida em que as linguagens humanas vão cada vez se incrementando mais e se transformando, é a própria natureza humana que vai se enriquecendo.
Então, nós continuamos leitores do texto impresso. E isso é uma atividade – o texto impresso, mesmo que ele vá para o Kindle – mas o texto exclusivamente verbal, ele consegue perfazer um tipo de atividade cognitiva que quando a gente navega na hipermídia, a atividade cognitiva é um pouco diferente. Você experimentam isso cotidianamente, depois de dez minutos navegando, a gente não lembra – “o que é que era mesmo que eu estava procurando?” –, enquanto que o texto verbal é isso, a linguagem verbal é insubstituível. Então, eu tenho longas discussões com os meus alunos. Por que é que não é possível criar conceitos com imagem? O limite que a imagem conseguiu levar o conceito, é a obra pictórica do Magritte. Então, o máximo que a linguagem da imagem consegue criar como um conceito é a metáfora.
Então, passamos para ‘as crianças do nosso tempo’. Então, eu estou falando das linguagens do nosso tempo, as crianças do nosso tempo. A diferença, hoje, geracional, que antes era de pai para filho, hoje é mais ou menos de cinco anos. Uma criança de cinco anos, ela já está mais equipada para essas interfaces contemporâneas no mundo digital do que uma criança de 10.
Então, vocês calculem a minha geração… é uma tragédia. Então, às vezes quando eu pego um celular, porque ele toca, e eu estou dando aula, ((acha graça)) eu falo “gente, não é uma performance”. Eu não estou fazendo performance, porque é tal a confusão, a confusão motora, a confusão mental porque ((acha graça)) eles já nascem adaptados. Eles já nascem adaptados, embora isso que eu esteja afirmando pareça, assim, uma ousadia – “que prova você tem disto?” – então, usem a experiência cotidiana, observem para vocês verem como eu estou provavelmente próxima de ter alguma razão.
Então, o que a gente tem é uma integração sensória, motora e cognitiva natural, às interfaces. (…) E claro que existe muita pesquisa para essas interfaces.
Por que é que o ‘touch screen’ pegou em lugar da interface de voz? Em primeiro lugar, porque muita pesquisa foi feita com adolescentes e eles diziam assim, “imagina, eu não vou ficar conversando com celular, porque eu pareço um imbecil”. Mas, a outra razão, eu vou falar daqui a pouco, que é o problema do sistema sensório humano e do sistema tátil do corpo que concentra toda a inteligência na ponta dos dedos. Então, toda nossa inteligência tátil está concentrada ‘aqui’, e daí a gente pega a evolução da espécie e daí a gente vê que quando o ser humano se tornou bípede, que daí ele passou de ‘hominedae A’, humano, e liberou a mão. É por isso que essa sutileza da mão, aliás o João Cabral tem um poema onde ele fala do futebol, e ele diz assim, “dar aos pés a sutileza da mão”, que é… “o macaco não faz ‘isto'”. Então, essa sutileza e toda a inteligência tátil do nosso corpo se concentra ‘aqui’. Liberou a testa, o desenvolvimento do neocórtex e o ser humano se torna bípede e desenvolve aí, todo o sistema de visualidade. É por isso que o sistema de visualidade até ao ponto de a gente falar que nós vivemos hoje uma verdadeira hipertrofia da visão, mas isso é parte característica da evolução biológica para a sobrevivência humana.
Olhe, a mão, fabuloso órgão. Só tem um órgão do nosso corpo que pode competir com a mão. É a boca. Serve para comer, falar, cantar – que é uma exuberância da fala – e beijar. Então… é o Edgar Morin que fala isso, “esse órgão fabuloso, órgão que é”… mas, a mão também é um órgão fabuloso, porque é um órgão tátil e é o único órgão do nosso corpo que é sensório e é através do qual nós agimos. Então, ele é um órgão inteligente, tátil, e agenciador. É isso que nos faz compreender por que é que é com a mão que a gente hoje navega com equipamentos muito pequenos. E ele é todo adaptado para essa inteligência tátil-sensória da ponta dos dedos, que é isso que se chama ‘touch screen’, que é a tela sensível ao toque.
O que é que isso traz? Há uma sincronia. E isso que é importante, sincronia entre perceber, sentir, pensar e inteligir. Quando eu escrevi esse livro ‘Navegar no ciberespaço’, eu menciono. Porque foi a partir daí que tudo se desencadeou em todos os livros que eu escrevi, na maneira como interpreto a cultura digital. Aliás, eu ganhei um Jabuti em terceiro lugar em games, em ciências exatas e eu não sei nem tabuada. ((acha graça))
Mas eu organizei o livro ‘O mapa do jogo’, foi um dos primeiros publicado em português. Eu tinha um grupo de games, mas evidentemente eu não jogo games porque eu não tenho essa destreza. Eu tenho alunos de games que eles me dizem o seguinte, eles têm 30 anos, “eu não consigo mais jogar os games que os meus alunos de 20 jogam”.
Então, eu escrevi aquele livro porque eu entrei, sorrateiramente ((silabou)) no quarto onde o meu filho estava com os primeiros jogando games. Claro, vocês sabem como que é filho adolescente, eles não gostam que mãe entre no quarto. E eu entrei e eles ((acha graça)) estavam na frente do computador e estavam jogando games. E eu olhei e falei “o que é que é isso?”, e eu parei. Falei, “eu não posso acreditar. O que é que está acontecendo na cabeça deles?”, porque o que me preocupou, “como é que eles conseguem reagir com tanta rapidez?”, e aquela destreza motora, manual, e eu percebi na hora que alguma coisa está acontecendo alguma coisa que está sincronizando as operações mentais, a percepção, a reação perceptiva e motora. Então, essa sincronia, quando eu falo “as crianças do nosso tempo”, elas têm essa sincronia em estado de prontidão. Então, e é uma cognição adaptada a essa organização das linguagens do nosso tempo, hipermídia, multimídia, transmídia… a organização reticular, multilinear, multimidiática das interfaces da linguagem.
É isso que nos faz mais ou menos compreender por que é que uma criança de dois anos já lida com o celular e todas tem iPad. “Esse é o meu ((enfatizou)) iPad – meu neto falava para mim – esse é o meu, ó, iPad”. E eu fui fazer uma coisa, “não, vovó, você não sabe”. ((acha graça))
E o pior? É que ele tem toda a razão.
Agora eu vou entrar no livro infantil digital. As duas páginas até agora foram só introdutórias do tema. Isso aqui é um truísmo. O que eu vou falar é um truísmo. O livro infantil, sempre ((enfatizou)) reclamou por uma natureza intersemiótica interlinguagens. Aliás, se a gente pega um livro, por quê? O mundo infantil, ele ainda não passou por aquela fase que a gente chama de letrada, ou ‘letramento’, o ‘alfabetizar-se’, o ‘saber’ ler, e daí, gradativamente a nossa cultura foi assim, enquanto durou a hegemonia do livro. Essa hegemonia do livro, ela foi de Gutenberg até o século 19, porque com a invenção da fotografia, com a explosão do jornal, a raiz da estrutura mosáiquica da hipermídia está no jornal. O jornal se estrutura exatamente… então, desde o jornal a sensibilidade perceptiva humana já estava se preparando para que essa evolução ocorresse. Então, existe – não é um determinismo tecnológico, não tem nada a ver com isso – existe uma espécie de ‘destino’ das linguagens e no ponto em que eu estou hoje, eu vejo esse destino como encontrar as linguagens que sejam mais capazes de expressar o modo como nós pensamos e sentimos – e desejamos, e queremos – tudo, ao mesmo tempo. Aí, a sofisticação dos meios de impressão já com a fotografia e daí com as máquinas, as novas rotatórias, e daí a evolução do ‘design’ dos tipos gráficos, então isso já potencializou o livro infantil. Porque a criança, ela vive nesse mundo de integração entre o visual, o sonoro. Então, esse – esse também eu ganhei Jabuti – quatro, hein! Mas vou ganhar mais, se der, não?((acha graça))
Então, os meios de impressão, eles potencializaram esse modo como a criança começa a se relacionar com as formas de representação de linguagem. Então, o livro infantil, ele sempre teve essa característica, é uma característica de misturar. Mas, o livro infantil antes da hipermídia, antes do mundo digital, não tinha condição ainda de trazer o som. Conclusão, com os livros digitais, essa natureza que já é intersemiótica, o que é que quer dizer ‘intersemiótica’? É que mistura linguagens, compõe essas linguagens numa hipersintaxe, onde se faz a relação de uma linguagem para a outra e o sentido, o conteúdo vai se criando dessas relações. Então, existem aí, relações transversais, cruzamento, o verbal ajuda o visual e o visual ajuda o verbal. Há complementaridade, às vezes há oposição, e assim por diante.
Então, levaram… os livros digitais infantis levaram esse potencial intersemiótico do livro infantil ao clímax.
Agora, eu vou falar um pouquinho do livro digital infantil. Que características ele tem? Primeiro, ele tem um formato de um aplicativo, isso que a gente chama de APP. São aplicativos. E eles, esses aplicativos são criados de acordo com as necessidades que cada conteúdo apresenta. Então, “aquele conteúdo precisa desses e daqueles recursos, destas e daquelas estratégias”… então, esse aplicativo, ele já é programado o atender a aqueles recursos e aquelas estratégias necessárias a um determinado conteúdo.
Então, ele é um sistema operacional. Um sistema operacional, computacional, então ele depende de programação. Ora, isso significa que na maior parte das vezes, como nós não somos tudo ao mesmo tempo, nós somos seres, não somos completos – somos incompletos graças a Deus – por isso que a gente procura o outro, porque somos incompletos. Então, na maior parte das vezes esses aplicativos necessitam de diversas competências. É como no cinema – você tem o diretor, o diretor comanda, mas você têm várias. Então, é uma autoria – uma autoria ((enfatizou)) – que organiza subautorias. Então, aí, nesse caso, eu preciso de programador. Então, há pessoas que são ‘designers’ e que são programadores, e que têm a capacidade de juntar esses talentos, mas, a maior parte das vezes a gente vai pedindo auxílios para um programador etc.
Então, é um sistema operacional com potencialidades interativas. Essa é a característica magna. Não é por acaso que faz 30 anos que essa palavra ‘interatividade’ e ‘interação’ passou a circular como uma onipresença em tudo ((enfatizou)) que a gente fala sobre o mundo digital. Então, ‘potencialidades interativas’, ele contém sensores de movimento. Então, ‘touch screen’ é isso, tem sensor de movimento que capta o toque da sua mão. E é um toque delicadíssimo. Parece que é mais adaptado, a delicadeza do dedinho da criança, do que ao nosso dedo. Mas, ele é tão inteligente, a interface é tão inteligente que ela pega exatamente essa pontinha aqui, o sensor capta justamente ‘isso’ aqui. Por isso que a gente pode fazer no celular, você trabalhar no celular com o dedão. “‘Nossa!’, é tão grande, mas as letrinhas são pequenas”, mas ele tem um sensor para pegar exatamente essa extremidade circular do nosso dedo. Ele tem sensores de movimento, de orientação, de localização, ele tem interação com câmera e possibilidade de tocar e arrastar o dedo. Então, têm sistemas operacionais mais incrementados, outros menos incrementados. Mas, há sistemas operacionais que tem todos, ((enfatizou)) todas essas características.
Os livros são híbridos. É aquilo que eu falei sobre a nossa mente híbrida, linguagem híbrida. Eles são híbridos. Por quê? Eles mesclam características do livro infantil impresso que já tinha essas características de mistura, de linguagem, os videogames e a animação. Então, por isso que eles têm aquele aspecto de muita vivacidade. E quando você puxa é aquilo, aquilo adquire vida na nossa frente. E há potencialização, ele potencializa recursos interativos por caminhos alternativos. Então, há livros digitais onde você pode… aí, depende de que idade que aquele livro, para que idade e para que desenvolvimento cognitivo aquele livro é feito. Mas, há possibilidade de narrativas onde você vai mudando e criando alternativas narrativas, que é igual a aquele texto do Borges, maravilhoso, ‘O jardim dos caminhos que se bifurcam’.
E agora eu vou falar bem brevemente, que já estou no fim, contar esse texto que muita gente deve ter lido. Mas, o que esse texto tem de mais absolutamente fascinante é que era um príncipe, rei chinês, que abandona o império porque ele queria desenvolver um labirinto. E aí, ele morre. Isso é um detalhe. São coisas do Borges. Às vezes o sentido de um conto de Borges está na nota de rodapé. Mas, aí, é um detalhe do texto, mas eu acho que a coisa mais absolutamente fascinante desse texto está aí. Então, ele morre, eles ficam procurando – entre outras coisas, porque se… são poucas páginas, mas aquilo é um mundo infinito, ‘O jardim dos caminhos que se bifurcam’ – e aí, ele morre e ficam procurando o labirinto. E ninguém encontra o labirinto. Encontram fragmentos de uma narrativa que não fazia sentido, porque uma personagem, de repente, ela estava viva, era inimiga da outra, daí de repente ela morria, daí ela voltava, vivia outra vez. Então, parecia uma coisa caótica. O que ele fez foi um labirinto no tempo e não um labirinto no espaço.
Então, eu citei isso aqui para a gente entender o que é uma narrativa alternativa. Em ma narrativa alternativa, eu posso mudar o argumento da história, transformar, desde que o sistema operacional me permita essa possibilidade, complexidade adaptada ao nível de desenvolvimento cognitivo do usuário.
A narrativa digital, as características fundamentais da narrativa digital são, imersão. Há níveis de imersão. Quando a gente conecta o computador, nós já estamos entrando num primeiro nível de imersão. E aí, em algum dos meus livros eu falei em todos ((enfatizou)) os níveis de imersão até chegar na realidade virtual, (…) que te envolve inteirinho, aí, seria a imersão total. Mas, quando a gente conecta o computador, está em processo de imersão, que é isso que a gente chama de navegação, fica surfando. Essa expressão maravilhosa, do Marcos Novak, que é um artista canadense, ele fala… já nos anos 1980 – fim dos anos 1980 – estava começando ((enfatizou)) da cultura do computador, ele fala “arquiteturas líquidas do ciberespaço”. E eu me lembro ((acha graça)) que na época eu fui dar uma palestra de arquitetura – e eu achava lindo ((enfatizou)) ‘arquiteturas líquidas do ciberespaço’ – nem sabia muito bem o que eu estava falando, mas eu dei aquela palestra e eles não entenderam nada e nem eu sabia muito bem. ((acha graça))
Mas eu achava lindo. E é mesmo, são ((enfatizou)) arquiteturas líquidas, porque você não tropeça no mundo digital. Você vai passando, dá um clique vai para um lugar, dá outro clique e vai para outro lugar. Então, isso que é navegar e é imersão, porque a sua cabeça começa a viajar. Só que a gente não deve entender essa imersão como o filme ‘Matrix’, porque no filme “ah, não. O teu corpo fica parado e morre”. E daí ‘Nossa!’… aquela coisa terrificante que ficava, que tinha que puxar energia… e isso daí é uma ilusão cartesiana, o corpo não morre coisa nenhuma. Tanto é que no ‘navegar no ciberespaço’ eu fiz essa pesquisa sobre sentidos humanos e eu falei “o corpo está parado, mas dentro do corpo uma orquestra inteira está tocando”. Então, daí, todos os discursos que foram gastos, ‘a la matrix’, “ah, o corpo está perdido, não se locomove mais”… bastou dez anos, surgiram os equipamentos móveis e hoje nós estamos na era da mobilidade ((acha graça)) enquanto você navega, sua mente vai navegando tá-tá-tá pela informação. Você está se orientando no mundo físico em que você anda e caminha e está ao mesmo tempo.
Você vai perguntar para um jovem hoje, “onde você está? No digital ou no físico?”, e ele vai olhar com uma cara de estranhamento para você, porque ele nem sabe o que é que isso significa.
Interação. Então, é por isso que é fascinante, dá para a gente entender por aí, por que é que os games, eles produzem tanto apelo ((enfatizou)) aos jovens, porque eles estão lá vivos, interagindo com a informação. Aquela informação, é como eles se transformassem no cocriador. ((enfatizou))
Agenciamento, que é a capacidade de extrair sentido, porque a nossa mente que vai articulando sentido de fragmento em fragmento, então vai fazendo esses vínculos de significado.
Há ludicidade, é altamente lúdico.
O envolvimento, a pessoa fica – e aí, o livro infantil –, a criança fica absolutamente envolvida, porque são todos os seus elementos cognitivos e sensórios e motores que estão entrando em ação, e daí a gratificação. Porque quando você consegue chegar aonde você quer, você está navegando e de repente você chega aonde quer e tira sentido daquilo, tem uma gratificação interior e recompensa. É uma recompensa psíquica. Não é pela descoberta.
Então, isso coloca a narrativa digital…bom, primeiro, que se trata de narrativa.
A narrativa, nós, o ser humano, não vive sem narrativa.
A narrativa faz parte integrante, é uma necessidade psíquica insubstituível, por isso que a literatura, ela nos fascina tanto, não só porque ela é narrativa, mas é o modo como ela é narrativa que leva à capacidade criadora da narrativa à última potência. Então, fica muito próximo da ‘gameficação’. ‘Gameficação’ não é o game, mas são os elementos do ‘game’ que envolvem esses aspectos de imersão, interação, agenciamento, ludicidade, envolvimento, gratificação, recompensa. Fica muito próximo desse apelo irresistível dos games.
Então, por fim, minha conclusão é a seguinte, “o livro digital é o destino inexorável dos livros didáticos para crianças e para adultos”.
Ou seja, o livro digital, quando a gente fala dele, de que livros nós estamos falando? Então, você pode ter um livro digital onde se desenvolve a capacidade cognitiva da concentração que só a linguagem verbal consegue desenvolver. Mas, o livro didático, ele… imagine o que é você se… em um livro didático de física você ter um vídeo no meio da exposição em que aparece a aquilo que o professor de física que ficava lá de costas para a gente fazendo, aquilo aparece. E hoje, inclusive, a realidade aumentada pode ser incorporada nos livros didáticos.
Então, o que precisa? Vou terminar. O que nós precisamos? Nós precisamos, neste país, não apenas da tecnologia – porque tecnologia, ela está aí, ela faz parte do nosso cotidiano – de projetos de desenvolvimento integrado, não disperso. Há muito, há muitas escolas que já estão realizando coisas, mas é disperso. Nós precisamos criar materiais didáticos porque eles não seguem receitas.
Cada ((enfatizou)) material didático, é área de biologia? É área de física? É área de português? Cada um deles vai precisar de sistemas operacionais distintos adaptados, recursos e estratégias adaptadas a aquele conteúdo que a gente visa transmitir. Então, esse é o destino. A gente pode tentar escapar dele, mas ele vem. É aquilo que eu falei, “quem vence é a poesia”. Muito obrigada.
((aplausos))