Por que uma educação de Qualidade – Brasília Hotel Windsor – 11 agosto 2015
POR QUE UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE?
Paulo Nathanael Pereira de Souza – Educador e membro da Academia Paulista de Letras.
Essa expressão: educação de qualidade, frequente, na mídia e objeto de inúmeros discursos políticos, além de referência de destaque nos textos das leis dirigidas ao ensino, apesar de sua difusão de uso ainda está muito longe de ser bem compreendida pela maioria das pessoas, razão pela qual, vale a pena tentar fixar o mais próximo possível de sua natureza, os termos dessa conceituação. Para tanto, convém buscar ajuda nos documentos da UNESCO, onde comparece com intensidade a expressão educação pertinente. Trata-se, pois, de uma educação que busca instrumentar intelectualmente as novas gerações, dotando-as de capacidade para conhecer do passado humano aquilo que é permanente e indispensável à sobrevivência da espécie, ao mesmo tempo que instrumenta os jovens, para enfrentar e vencer os desafios nascidos das mudanças cada vez mais surpreendentes havidas ultimamente, dado o veloz avanço da ciência e da tecnologia. Em suma: educação qualificada é aquela que transmite aos jovens saberes e fazeres que pertinem ao ajustamento de cada qual ao meio e ao tempo em que vive. Ou também se pode dizer ser aquela que permite ao ser humano compreender o passado, agir no presente e enfrentar o futuro com segurança e competência.
A serem verdadeiras essas conceituações, chega a escandalizar o “gap”, que se estabeleceu, em nosso país, entre a missão da escola e as demonstrações estatísticas de seus desastrosos resultados. Seja nas avaliações nacionais, como a do IDEB, seja nas internacionais, como no Pisa, os índices obtidos são sempre negativos. No primeiro caso o péssimo “escore” dos alunos da 1ª série e da última do curso fundamental, bem como os das três séries do curso médio, numa escala de zero a dez, não chegou no Brasil todo a somar cinco pontos, isto é, nem à metade do esperado pelos analistas. No que diz respeito ao Pisa, patrocinado pela OCDE, que reúne 65 países (o Brasil comparece como convidado), a cada dois anos, para medir os ganhos de aprendizagem dos alunos, em Vernáculo, Ciências e Matemática, já faz muitos anos que nos colocamos no último terço dos participantes e de lá não mais conseguimos sair. Se fosse num campeonato de futebol, estaríamos sempre na derradeira divisão! Por isso é que cresce nas escolas básicas brasileiras a incidência dos chamados analfabetos funcionais – (hoje são 50 milhões de jovens que chegam até a diplomar-se no curso que frequentam, sem carregar conhecimento algum, que lhes possa ser útil na vida). E o pior é que se descobriu recentemente que quatro alunos em cada lote de dez, que cursam nossas universidades, estão nessa categoria.
A situação é tão séria que já corre jocosamente nos arraiais da educação, que o Brasil pode arquivar as suas LDBs, porque o sistema prefere, hoje, obedecer à Lei dos Comboios, aquela segundo a qual, qualquer conjunto naval tem necessariamente que submeter-se à velocidade da unidade mais lenta: nas escolas brasileiras não são os alunos mais brilhantes que determinam o nível do ensino, e sim, os mais ignorantes! Para ampliar esse quadro, que ficou assustador, os números referentes às evasões e reprovações dos cursos fundamental e médio principalmente cresceram desmensuradamente. E tudo, como se lê na mídia, porque os estudantes que dão suas entrevistas aos periódicos acham a escola uma chatice, além de absolutamente alienada em relação ao que esperam os jovens encontrar nos cursos em que se matriculam. O mais irônico é que essa educação se chama básica, e deveria por isso servir de sustentação a tudo o mais que deve vir em seguida, seja no trabalho, seja no ensino superior.
Essa contradição entre a missão da escola, que é sempre formativa, e deve preparar para o futuro, e os resultados negativos que temos tido, caracteriza o paradoxo que nos tem feito sofrer. Afinal como se pode educar o jovem de hoje para o futuro, com uma pedagogia de preferência voltada para o passado? Aí está o X do problema, que não é novo, e desde muito tempo preocupa as melhores cabeças deste País, como por exemplo, as dos subscritores do Manifesto dos Pioneiros em 1932, entre eles os saudosos Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Já diziam eles, que faltava aos sistemas educacionais brasileiros, um punhado de mudanças em sua organização e nos seus arcaicos procedimentos herdados do passado. Quando no século 20 se deu entre nós a abertura democrática do acesso aos cursos básicos a uma população heterogênea, que incluía ricos e pobres, negros e brancos, trabalhadores e o que mais fosse, seria necessário ter-se dotado esses cursos, (que até então eram privilégios de uma elite), de novos processos educativos ligados às necessidades de cada segmento social. Não poderiam eles ter continuado livrescos, decorativos e eruditos, como eram quando apenas serviam para reforçar a condição elitista das classes mais privilegiadas. Sua modernização implicava a adoração de nova funcionalidade novos temas curriculares, novas didáticas de ensino, menos teorias e mais práticas, aprendizagens voltadas de preferência para a aplicabilidade dos saberes adquiridos pelos alunos, e o fim das decorebas e do “magister dixit”. Nada disso aconteceu e o resultado é esse panorama desolador que aí está de escolas, que não ensinam e de jovens que não aprendem.
Nos países emergentes da modernidade, como os “tigres asiáticos”, (a Coréia do Sul à frente), a Finlândia e os demais países escandinavos, essas mudanças se fizeram intensamente e os resultados aí estão, registrados para quem queira ver: ocupam eles os primeiros lugares nas listagens que atestam o sucesso pedagógico de suas escolas. E por que isso não acontece no Brasil? Pelo simples fato de que a educação por aqui, não chegou, ainda, a ser uma prioridade real para os projetos governamentais. Além do mais, a própria sociedade nossa não conseguiu ainda atinar com a importância de uma escolaridade qualificada para seus filhos. Em pesquisas divulgadas pela mídia, em que se procurava conhecer quais as prioridades dos brasileiros em relação às políticas sociais, a educação comparece em 8º lugar. Ora numa democracia, regime em que os governos só agem sob pressão do eleitorado, não se pode aceitar que a educação dos jovens não esteja nos primeiros lugares.
A grande pergunta que fica no ar é: Como mudar esse estado de cousas, visto que já se sabe o porquê do problema e também todos aprendemos que sem uma população bem qualificada educacionalmente, será impossível alcançar os nossos três maiores objetivos nacionais, a saber: desenvolvimento sustentado, democracia plena e justiça social progressiva, tendo como meta a diminuição da pobreza? Ou será que a grande maioria de nossa classe política tem medo de que os eleitores aprendam a exercer a cidadania, passem a votar melhor e, com isso impeçam suas carreiras na vida pública?
Respostas para essas questões não poderão vir isoladamente de algum estudioso do problema, nem tão pouco serão resolvidos com esse vezo tão nosso de aplicar soluções de varejo aos desafios nascidos do atacado. Como se viu nos comentários acima feitos, a problemática da educação nacional tem a ver com o sistema de ensino como um todo, razão pela qual nada se resolve apenas aumentando ou diminuindo a duração de cursos, acrescentando matérias novas aos currículos escolares ou multiplicando o casuismo das medidas que em nada contribuem para superar a crise. Lembro-me de um episódio que vivi nos anos 70, quando fazia parte, como Conselheiro do CFE ( Conselho Federal – hoje Nacional – de Educação). Um senador apresentou no Congresso um projeto de lei, que instituía no currículo do ensino colegial a disciplina “Preparação para a Morte” (naquele tempo, o Conselho era tão forte, que qualquer mexida por decreto ou lei na LDB, precisava, antes de tramitar na Câmara ou no Senado, ser aprovado pelo Colegiado da Educação). Coube-me ser o relator da matéria. Após espinafrar a medida proposta, que aliás acabou arquivada, fiz a pergunta sobre onde encontrar professores para a nova disciplina, entre padres, pastores, pais de santos ou entre agentes funerários e coveiros? Ninguém soube me dizer, razão pela qual sugeri ao ilustre autor do projeto, que lesse Montaigne, eis que com uma só frase matou o problema do despreparo humano em face da morte. Disse o mestre do Renascimento: “Que ninguém perca tempo em tentar explicar a morte, porque na hora certa todos saberemos morrer!”
Fiz esta digressão para assinalar que de tanto inventarem medidas inúteis como essa do senador, para qualificar a educação brasileira, estão é matando o sistema de ensino neste País! É preciso muito mais do que propostas, como essa. Talvez tenhamos necessidade de algo assim como o que se fez na Coréia do Sul, a partir dos anos 60 e 70 do século vinte. Por força de guerras devastadoras, que atingiram o país, e de tradições retrogradas da população, que prejudicavam o esforço de modernização da economia e da educação, todos os índices de desenvolvimento daquela nação apresentavam-se desastrosos e eram piores do que os do Brasil, logo depois do fim do conflito mundial de 39 a 45. Foi daí que as elites sobreviventes decidiram salvar o país, a começar, por assegurar ao povo uma educação qualificada de ensino básico para todos e outra, altamente seletiva, nas unidades com vistas à prioridade na formação de engenheiros para dar sustentação a uma industrialização de ponta (siderurgia, veículos auto-motores, estaleiros, computadores, etc.). Constituiu-se, para tanto, um Colegiado Superior, (integrado por educadores, intelectuais, empresários de escol, e até por consultores convidados do 1º mundo), que funcionaria como órgão de Estado, tipo Agência e não de Governo, junto ao Presidente da República, com plenos poderes para promover as mudanças reclamadas pela adequação da educação ao novo modelo futuro de país. Duas décadas depois, após anos de sacrifícios que exigiram de todos os coreanos enormes contenções econômicas, fiscais e outras, foram aparecendo sinais da mudança, que iria levar a Coréia à condição de país emergente e com um pé nas modernidades contemporâneas. Aqueles índices, piores do que os dos brasileiros no passado foram se modificando, a ponto de nos deixarem para trás. Hoje os coreanos desfrutam de um invejável nível de vida; estão classificados nos primeiros lugares na tabela mundial de IDH e destinam anualmente 20% de seu orçamento à educação nacional.
Esse é um “case” que, se o Brasil resolvesse tomar como referência para fazer uma revolução na sua educação, talvez pudesse dar certo. Fica registrada a sugestão, embora envolta num certo ceticismo, dadas as muitas experiências já por nós vivenciadas, e que acabaram, umas sem continuidade, outras com pífios resultados. Mas como educadores que somos não há como desanimar.