Universidade de Classe Mundial.
Universidade de Classe Mundial
Flavio Fava de Moraes, 2010
O título deste editorial é visto por muitos como o desafio a ser superado por uma
Universidade que pretenda ser considerada moderna, de qualidade e de reconhecimento
internacional. Contudo, para outros não passa de um novo “slogan” apenas para situar a
Universidade na linguagem contemporânea, pois esta meta está compromissada desde os
primórdios seculares de sua criação e no início da própria USP.
O que deve ser considerado, entretanto, é a evolução versátil dos seus objetivos
acadêmicos o que obrigatoriamente vincula requisitos necessários para alcançar suas metas,
indicadores que diferenciem as instituições, metodologias de avaliação segundo suas
peculiaridades e respeito as suas identidades. Tudo entendido como conquistas adquiridas
segura e gradativamente ao longo de sua existência.
Importa, portanto, é saber inequivocamente quais são estes indispensáveis
requisitos que, quando possuídos, distinguem uma Universidade como de “classe mundial”.
Várias organizações e estudiosos do ensino superior já contribuíram com extensa
bibliografia que embora, na maioria, sejam repetitivas não deixam de eventualmente
apresentarem sugestões inovadoras. Destas, muitas são exequíveis, outras não, dependendo,
como já dito, da natureza e objetivos da instituição considerada.
Destaca-se no tema a última contribuição de Jamil Salmi (Banco Mundial/2009)
apontando quais são os desafios para que se estabeleça uma Universidade de “classe mundial”
e que aqui sintetizamos. Após considerar diferentes critérios de classificação mostrando
heterogeneidade no ranqueamento mesmo entre Universidades já bem conceituadas no “mundo
acadêmico” demonstrou com fatos os indicadores prevalentes nessas notórias instituições.
Assim é relevante o número de alunos que entre reconhecidas Universidades (Harvard,
Stanford, MIT, Pequim e Tóquio) têm um relativo equilíbrio entre alunos de graduação e
pós-graduação enquanto para Oxford e Cambridge prevalece os graduandos (como ocorre na
USP). Porém, estas mesmas Universidades só têm no total entre 10 (MIT) e 30 mil alunos
(Pequin), enquanto a USP com 5.500 docentes já se aproxima dos 80 mil (relação 1/14), a
Universidade de Buenos Aires com 280 mil e 25 mil docentes (1/11) e a Universidade Autônoma
do México com 190mil e 30 mil docentes (1/6)!!!
Outro decantado aspecto atual é a internacionalização da Universidade também vista
por diferentes aspectos tais como: convênios, alunos e docentes estrangeiros, projetos com
parceria, bolsas sanduíche, diplomas bivalentes, campus satélites em outros países,
teleconferências interativas, redes multinacionais de informação e de bibliotecas, etc,
etc…. Focando apenas com o número para 2009 de docentes do exterior há exemplos
interessantes: A Universidade de Harvard (primeira no mundo) tem 30.000 alunos e 3.800
docentes (1/8) dos quais 1.200 (32%) vindos do exterior; para Stanford há 1800 docentes
para 20 mil alunos (1/11) com 92 docentes do exterior (5%) índice que na USP é de 7% com
406 docentes de outros países.
Mas se outros inúmeros dados podem permitir incontáveis correlações favorecendo
intencionais raciocínios e interpretações, a essência da questão está em aspectos
predominantemente conceituais e fundamentados em análises mais integrais da Universidade.
Portanto, segundo Salmi, o que importa mesmo é que a Universidade de “classe
mundial” tenha 3 requisitos mandatórios, a saber: “concentração de talentos, abundantes
recursos e governança adequada.” Para tanto, é preciso ter pessoal competente (alunos,
docentes, funcionários, pesquisadores), aspirações, ousadia, metas, estratégia renovada,
desempenho crescente, autonomia, liberdade acadêmica, lideranças, interação com governo e
setor produtivo, etc. pois do contrário, temos estagnação, visão opaca, rotina burocrática,
complacência com o atraso e grave distância das melhores.
O fato que merece reflexão está na afirmação do Banco Mundial de que dos 3
requisitos citados a USP já possui 2 deles! O que falta? O da governança adequada, pois há
muito conflito endógeno, muita burocracia tanto interna como de leis externas e falta de
valorização estatal que no seu conjunto dificultam sobremaneira o melhor desempenho da
academia e, portanto prejudicam uma melhor contribuição socioeconômica e cultural para o
Brasil.
É gratificante que a USP com apenas 76 anos seja reconhecida como tendo excelente capital
humano e razoável aporte orçamentário (é semelhante ao da Universidade de Cambridge ou de
Chicago que são melhores classificadas!) e que o principal desafio está na melhoria de sua
gestão. Este avanço depende muito mais de nossas ações internas (repudiando as predatórias)
e de nossas “lutas” na superação das amarrias externas para possibilitar o exercício de uma
autêntica autonomia responsável. Temos um diagnóstico de como a USP é vista “de fora” e ao
analisá-lo temos que refletir sobre seu conteúdo valorizando nossas conquistas, superando
os pontos comprometedores e contradizendo seus eventuais equívocos!!!
Já publicado no Jornal da Fundação Faculdade de Medicina/Abril-2010.
Prof.Dr. Flavio Fava de Moraes
Diretor Geral da FFM e Professor Emérito do
Instituto de Ciências Biomédicas – USP
Acadêmico da Academia Paulista de Educação – Cadeira nº 1
Foi: Reitor da USP e
Diretor Científico da FAPESP